PET Ciências Biológicas – UFV

Biologia em Foco

Viçosa, outubro de 2005 * Nº42

    Vila Gianetti, 30*(31) 3899-2295*www.ufv.br/petbio*petbio@ufv.br

Prof. Lucio Campos; Amanda Miranda; Evelyze Pinheiro; Mário Moura; Odair Campos;

Paula São Thiago; Pedro Eisenlohr; Ricardo Solar; Rômulo Areal; Swiany Lima; Tatiana Rigamonte.

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Pesquisa pioneira de brasileiros é questionada pela Cell

 

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Pesquisadores da Universidade de Brasília, liderados por Antonio Teixeira, publicaram em julho de 2004 na revista Cell um artigo que mudou os rumos de pesquisa de inúmeros laboratórios no mundo inteiro. Os brasileiros descobriram que o agente etiológico da doença de Chagas, o protozoário Trypanosoma cruzi, é capaz de inserir parte de seu DNA no genoma do hospedeiro. Esta inserção seria, segundo os pesquisadores, o mecanismo ativador de uma resposta autoimune no coração, que causaria lesões no tecido cardíaco.

A inserção do DNA do parasita se faz por meio de

      

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

   

 

 

 

 

Fonte:http://www.fiocruz.br/ccs/estetica/chagas.htm

um mecanismo conhecido como recombinação homóloga. Por esse processo, um  fragmento  de DNA fita-simples pode se inserir em um cromossomo, sendo trocado por um fragmento de tamanho relativamente semelhante, sendo que deve existir entre eles até 90% de homologia. Neste processo podem ocorrer erros, ocasionando mutações. Estas mutações podem levar à expressão de proteínas estranhas no tecido infectado, tecido cardíaco no caso da doença de Chagas, que por sua vez podem desencadear uma resposta imune contra este tecido. A parte do DNA do parasita que é transferida para o hospedeiro localiza-se na mitocôndria, inserida em uma região de organização de cromatina conhecida como kinetoplasto.

Para testar sua hipótese, os pesquisadores da UnB realizaram além de análises em humanos, testes de transmissão vertical em coelhos e galinhas. Pintinhos que nunca tinham entrado em contato com o parasita apresentaram sinais da doença porque seus pais tinham sido infectados, evidenciando que a doença pode mesmo ter um componente genético muito importante, talvez essencial, e que pode ser transmitido para a prole. Este último fato só se faz possível através da incorporação de DNA do parasita no genoma do hospedeiro.

A pesquisa de Teixeira e colaboradores é um marco no estudo da doença de Chagas, porque muda toda a concepção da doença, e possíveis tentativas de cura ou tratamento. Se o problema for mesmo a incorporação de DNA do parasita no genoma do hospedeiro, como eliminar as seqüelas do contato com o parasita? Esse mecanismo propõe ainda que mesmo após a erradicação do parasita do organismo do hospedeiro o mesmo pode ainda continuar sofrendo as conseqüências, manifestando a doença.

Mas apesar da importância e impacto da descoberta brasileira uma lamentável atitude está sendo tomada pela revista Cell em sua mais recente edição: a revista está editorialmente anulando o artigo dos brasileiros. Entendamos por quê. No artigo houve a tentativa de definir os mais comuns sítios de inserção de DNA do parasita no genoma do hospedeiro, e está justamente aí a questão de discórdia entre os autores e a revista. Algum tempo após a publicação na Cell os autores e a revista receberam e-mails de alguns pesquisadores questionando os pontos de inserção sugeridos no artigo. A editora então enviou os dados para, segundo ela, dois especialistas, que analisaram e concluíram que os dados não suportavam as conclusões a respeito da localização dos sítios de inserção. Contudo, este não era o enfoque central do artigo.

Apesar das supostas falhas, correções com relação aos pontos de inserção em nada afetariam a conclusão central, de que há a inserção. Pesquisadores brasileiros e de outros países estão mostrando sua indignação com relação à atitude da Cell de anular a publicação. Vários deles não concordam com o questionamento dos locais de inserção, como é o caso de um dos revisores iniciais do artigo, e outros que têm dúvidas com relação a esses locais afirmam que isto não seria suficiente para a retirada do artigo. De qualquer forma, o que mais preocupa os autores e colaboradores é a forma unilateral com que os editores da Cell estão tratando o impasse. Se fosse o caso de novos dados sendo propostos para o mesmo tema, com uma argumentação direta em contrário ao que foi proposto no artigo, a anulação poderia ser discutida, mas baseá-la em opiniões não está de acordo com os propósitos de qualquer revista científica e muito menos com os da ciência em si, na qual dados devem ser contestados com dados e não com suposições.

Em última análise, o que se espera da Cell é que haja uma razão muito mais plausível do que as até agora apresentadas para a retirada do artigo. Não se pode imaginar que algo em torno da nacionalidade da pesquisa em pauta seja a razão da unilateralidade com que o tema foi tratado pela Cell. Seria desanimador, e quem dirá desesperador, descobrir que o que está em análise não é a pesquisa em si, mas sim se a mesma foi realizada acima ou abaixo da linha do equador.

 

Rômulo Braga Areal

 

 

Referências:

 
- NITZ, N., GOMES, C., DE CASSIA ROSA, A., D'SOUZA-AULT, M.R., MORENO, F., LAURIA-PIRES, L., NASCIMENTO, R.J., TEIXEIRA, A.R. Heritable integration of kDNA minicircle sequences from Trypanosoma cruzi into the avian genome: insights into human Chagas disease. Cell, 2004, jul 23;118(2):175-86.


- LEITE, M. Polêmica: revista "Cell" desautoriza artigo brasileiro. Folha Ciência, out 01, 2005.
 

- LEITE, M. Polêmica: editora afirma que caso está sob revisão. Folha Ciência, out 01, 2005.