Plano Diretor de Viçosa

ARTIGOS DE OPINIÃO

Desemprego

Nosso maior problema atual é a falta de criatividade política - no governo, nas empresas e na própria universidade - para desenvolver e aproveitar o potencial de criatividade técnica e cultural de que a cidade dispõe

Edmar Augusto Vieira

Economista, mestrando em Economia Rural e membro da equipe do Plano Diretor de Viçosa

Estima-se que existam mais de 800 milhões de desempregados no mundo, o que eqüivale a 13 vezes à população economicamente ativa (PEA) brasileira. Por que o desemprego no mundo é tão elevado?

Embora a situação do emprego seja preocupante no mundo todo, ela é muito desigual, não apenas quanto ao número de desempregados, mas sobretudo quanto às principais causas do desemprego e quanto à qualidade do trabalho. Nos EUA, que são o último porto seguro do grande fluxo das finanças globais, o desemprego é relativamente baixo. Também em boa parte dos países asiáticos o desemprego não está em níveis muito elevados. Agora, a situação da Europa realmente é preocupante. No Brasil, o problema é extremamente grave, porque os desempregados brasileiros não podem contar com um sistema público de proteção social como os europeus. Nosso sistema de seguridade social é precário e boa parte da população permanece à margem de quaisquer benefícios institucionais. Não há explicações simples ou unânimes para essa questão. O desemprego é resultante de muitos fatores simultâneos e às vezes complexos.

Quais seriam esses fatores?

Vendo a questão numa perspectiva global, poderíamos mencionar, em primeiro lugar, o desaquecimento da economia mundial, paralelamente a uma intensificação do progresso tecnológico. Nos séculos XVIII e XIX, a crescente industrialização foi capaz de absorver a mão-de-obra desempregada pela incorporação da tecnologia na agricultura. Até a década de setenta deste século, o setor de serviços foi capaz de absorver razoavelmente bem a mão-de-obra desempregada pela incorporação de tecnologia na indústria. Agora, é o setor de serviços que passa por intensa modernização tecnológica, sobretudo através da difusão das tecnologias da informação. Um exemplo disso são as atividades bancárias: em meados dos anos 80, o setor bancário brasileiro empregava mais de um milhão de trabalhadores; daqui há dois ou três anos este número não ultrapassará a casa dos 300 ou 400 mil trabalhadores. Alguns autores estimam que em meados do próximo século as atividades fabris norte-americanas deverão absorver menos de 10% de toda a força de trabalho daquele país.

Segundo, estamos assistindo a um processo espantoso de financeirização da riqueza como forma privilegiada de acumulação de capital. Os recursos sobrantes da economia passam a ser empregados e a circular na esfera financeira, como capital improdutivo, sem qualquer lastro com a produção e sem necessariamente gerar mais investimentos, produção e emprego na economia real. Para se ter um idéia, a circulação financeira internacional puramente especulativa é 40 vezes superior ao valor monetário das transações de bens e serviços na economia mundial. Essa massa de capitais voláteis acaba acentuando a desigualdade na distribuição mundial da riqueza, pois reforça as estruturas econômicas da nações poderosas com um fluxo de poupança, consumo e investimento financiados a juros muito menores do que aqueles a que têm acesso as nações mais vulneráveis. Os EUA são os maiores beneficiários desse sistema e, portanto, não poderiam deixar de ser o seu maior defensor.

Terceiro, estamos passando por uma crescente interligação dos mercados de capitais e de bens e serviços, o que pressiona os mercados de trabalho das economias menos competitivas;

Como se explica o desemprego numa perspectiva das economias nacionais?

Não há concordância entre os especialistas quanto às causas do desemprego. Há quem diga que a própria preocupação com o desemprego não passa de uma obsessão equivocada pelo pleno emprego. Outros afirmam que o desemprego é culpa dos próprios trabalhadores, sindicatos e governos, que impedem que a remuneração do trabalho seja suficientemente baixa para induzir as empresas a contratarem toda a mão-de-obra disponível. Esta é a conclusão da chamada clássica teoria do emprego, que explica o baixo nível de emprego pelas imperfeições de mercado causadas por fatores "externos" ou institucionais como os governos e os sindicatos.

Esta teoria foi duramente criticada nos anos 30, por que não era capaz de explicar e muito menos de resolver o problema do elevado nível de desemprego causado pela grande depressão de 1929. A crítica a essa teoria partiu de um deslocamento de foco: o nível de emprego não seria determinado pelas decisões da firma individual, mas pelas decisões de gastos do conjunto das empresas, consumidores e governos, ou pela demanda global da economia por bens e serviços de consumo e investimento. Agora, a teoria considera que de todos esses gastos o mais importante para explicar as flutuações no nível de emprego é o gasto das empresas. De fato, as decisões de gastos das empresas são muito instáveis, porque dependem da expectativa que elas tenham em relação aos acontecimentos futuros que possam afetar a lucratividade dos investimentos. Se essas expectativas são positivas, elas realizam investimentos, ampliando ou instalando novas plantas produtivas e, com isso, aumentam o nível de emprego. Se as expectativas são negativas, elas não realizarão ou contrairão os investimentos previstos, reduzindo-se as compras totais da economia e, assim, o nível de emprego. As expectativas são instáveis porque a economia moderna é marcada pela incerteza. Essa incerteza está associada à ocorrência de muitos eventos econômicos, políticos, sociais ou tecnológicos que mudam continuamente os termos do problema que as empresas têm de enfrentar no momento das decisões de negócios.

Essa não parece uma explicação muito simples?

Sim e não. Sim, porque considera basicamente o curto prazo e desconsidera o efeito do progresso tecnológico e de outras transformações sociais. Sob forte efeito tecnológico, é possível ampliar a produção sem aumentar o nível de emprego. Mas, por outro lado, essa simplicidade se torna aparente quando se consideram as complexas questões envolvidas na formação das expectativas. De qualquer forma, a conclusão dessa discussão é que não podemos garantir absolutamente nada acerca do futuro e, por isso, todo nível de emprego é um nível normal no contexto da economia capitalista moderna, inclusive níveis absurdamente elevados de desemprego. Mas ainda sim permanece como uma teoria muito singela, pois desconsidera as profundas transformações na microeconomia do mundo do trabalho e dos negócios.

Que transformações são essas?

Nós estamos acostumados a pensar a economia por meio de categorias como empresários e trabalhadores, produtores e consumidores, inclusive criando para a economia um mundo à parte do universo social. Mas os mundos do trabalho e dos negócios se diversificaram demasiadamente, as fronteiras entre eles se tornaram tênues, confusas, imprecisas. O valor na economia atual está muito longe de restringir-se a relações de maximização da satisfação no consumo ou de minimização de custos na produção. As clássicas categorias de trabalho e empresa estão muito longe de dar conta daquilo que a coletividade chama em termos práticos de valor econômico. Para se ter uma idéia, o valor que remunera o trabalho envolvido em atividades como lutas por direitos, meio ambiente, minorias, etc. no EUA ultrapassa o PIB de qualquer país exceto o dos EUA! A noção de trabalho como desgaste ou queda de potencial no tempo, típica das revoluções industriais anteriores, não é mais inteiramente válida para uma considerável parcela da população ocupada. Cada vez mais o que conta é informação e conhecimento como componentes centrais do valor. Estamos entrando numa era em que a informação ocupa o lugar de uma centralidade básica e unificadora de muitos aspectos do mundo real. Nesse mundo, as noções clássicas de contrato de trabalho e de emprego não têm mais validade. O que importa ao trabalho não é uma certa quantidade de horas de trabalho que se consome no tempo e que, uma vez consumida, não está mais disponível. O trabalho informacional não se desgasta, porque o fato de eu lhe passar informação não me priva dessa informação. Por outro lado, o consumo dessa informação não a destrói. Apropriação exclusiva e consumo destrutivo são condições essenciais ao funcionamento e à explicação da sociedade industrial. Essas condições não se verificam nos aspectos relevantes da sociedade pós industrial. Antes, bastava solicitar ao funcionário que chegasse à empresa às sete horas, cumprisse uma série de obrigações hierárquicas ou rotineiras e fosse descansar para começar tudo de novo no dia seguinte. Essa lógica não é adequada ao trabalho informacional: não se pode determinar que um funcionário bata ponto às sete horas e às 10 horas entregue um produto, processo ou idéia nova. A natureza do trabalho intensivo em informações ou conhecimentos difere radicalmente do trabalho mecânico decomponível em tempos e movimentos do modelo taylorista. Então, a própria noção de emprego como venda e consumo de horas de trabalho regidos por um contrato rígido entra em crise.

Não seria perigoso relativizar dessa forma o emprego?.

Deve-se relativizar e mesmo abandonar a noção antiga de emprego, que no fundo tem por base o trabalho alienado. O que não se pode relativizar é o compromisso com uma ética social segundo a qual é preciso garantir lugar para todos viverem com dignidade. Se essa ética é mantida, então aqueles que trabalham em excesso são obrigados a financiarem a falta de oportunidade de trabalho para os outros. Politicamente, essa situação deve ser levada ao extremo para que a sociedade perceba que a solução é adequar o tempo social de trabalho às novas condições extremamente avançadas de produção das condições materiais de vida. É preciso trabalhar "menos" e deslocar o valor econômico para o tempo livre. Nós erigimos uma civilização baseada numa ética de trabalho como contraponto ao ócio, ao prazer do tempo livre, inclusive como justificativa para a acumulação da riqueza e como requisito para garantir um lugar seguro no reino dos céus. É hora de pôr fim a esses valores. Deveríamos começar com a revisão de nossas teorias e crenças.

Então o desemprego estaria associado a excesso de trabalho de uma parte da população?

Creio que sim, mas não poderíamos aceitar uma explicação tão singela. Os executivos modernos são o arquétipo perfeito disso. Eles vivem de celular às mãos, plugados ininterruptamente ao mundo da comunicação e ainda levam para a casa, nos finais de semana, os problemas que não conseguem resolver nas empresas. A conseqüência é que se tornam péssimos pais e maridos, além de pessoas muito pouco sociáveis. Uma outra questão é que nossas formas de sociedade produzem enorme desigualdade na dotação de atributos de informação e conhecimento entre os indivíduos, regiões ou nações. Assim, enquanto alguns são sobrecarregados com trabalhos complexos e abstratos, típicos do universo simbólico, outros são reduzidos às possibilidades do mero trabalho mecânico. Mas, muito mais do que simples desequilíbrio na carga de trabalho e na distribuição dos atributos qualitativos da força de trabalho, o que vemos é uma autêntica crise de nossa civilização, cujos efeitos mais traumáticos atingem sobretudo o mundo do trabalho.

Universalização da educação e treinamento profissional poderiam ser a saída para o problema?

Esta é a perspectiva correta no plano individual, analisando-se a questão do ponto de vista competitivo. Cada indivíduo busca o máximo de dotação de conhecimentos e informações para estar em melhores condições de empregabilidade. Esses indivíduos melhor dotados desses fatores acabam ampliando ao máximo o tempo de trabalho, num movimento que não é apenas de expansão do tempo absoluto de trabalho, mas de progressivo prolongamento do trabalho no interior do próprio tempo. Assim, no plano social, mesmo que fosse possível treinar todo mundo e dar a todos o mesmo nível de treinamento, o problema da ocupação permaneceria ou até se agravaria face ao aumento de produtividade resultante. Não há saídas à vista, a não ser uma progressiva redução do tempo de trabalho, ampliação do tempo livre e ampliação da ocupação em atividades sociais e comunitárias. De qualquer forma, é absolutamente imprescindível um amplo projeto político de universalização da educação, orientado pela idéia de aprendizagem permanente e de multiplicação dos espaços do conhecimento.

A tecnologia realmente provoca desemprego?
 
 

A técnica não dispõe de qualquer poder imanente, para o bem ou para o mal. É um erro atribuir à técnica problemas que se manifestam por conta dos homens e suas instituições. A tecnologia propõe, mas quem dispõe sãos os homens. Primeiro, é preciso ter claro que o desemprego é um estado normal na moderna economia capitalista, independentemente da técnica. Entretanto, sob determinadas circunstâncias macroeconômicas e institucionais o avanço tecnológico realmente pode promover queda do nível de emprego. Se as condições macroeconômicas permitem um ritmo mais intenso de crescimento, pode ocorrer elevação do nível de emprego, mesmo que se empreguem técnicas poupadoras de mão-de-obra. O mesmo ocorreria se o avanço tecnológico se efetuasse no âmbito de outras formas de regulação institucional em que fosse assegurado um padrão mais eqüitativo de distribuição dos ganhos de produtividade. Ainda que pudéssemos atribuir à técnica a causa de nossos problemas, seria possível deter o progresso tecnológico? Certamente que não. Então, precisamos tratar do problema no modo de funcionamento de nossas instituições, que hoje em dia devem ser cada vez mais planetários e locais ao mesmo tempo.

Como você avalia a situação do emprego no Brasil? O que poderia ser feito para combater o desemprego em nosso país?

O elevado nível de desemprego do país é produto de alguns fatores simultâneos como modernização tecnológica, inserção passiva na economia internacional e, sobretudo, baixo nível de crescimento econômico causado por mais de quatro anos de política econômica restritiva imposta pela sobrevalorização da moeda local e pelos juros elevados. O nível de desemprego quase dobrou no governo de Fernando Henrique, de modo que falar em políticas anti-desemprego, no atual governo, soa como acinte, já que as grandes políticas são claramente contra o emprego.

Assim, a primeira questão para reduzir o desemprego na Brasil envolveria a retomada do crescimento econômico. O crescimento econômico sustentável é a principal forma para gerar mais empregos. Sem que a economia esteja crescendo, as demais políticas de emprego não são eficazes. Há estimativas que indicam que nossa economia precisa crescer 5,5% ao ano apenas para absorver a força de trabalho jovem que chega ao mercado de trabalho. Para efetivamente amenizar o problema do desemprego, esse crescimento deveria ser de 7% ao ano, o que significaria dobra a riqueza da economia em uma década.

Em segundo lugar, é preciso reorientar o crescimento econômico, de modo a promover os setores capazes de incorporar parcela significativa da população desempregada ou marginalizada. Isso envolve política de crédito e política industrial adequadas. O Brasil, diversamente de outros países de economia mais madura, ainda pode associar seu crescimento econômico a um projeto mais ambicioso de inclusão social, pois dispõe de setores de infra-estrutura social e econômica - como a construção civil, a agricultura, o saneamento, a educação etc. - com enorme déficit de investimentos.

Terceiro, deve-se promover uma verdadeira revolução educacional, em todos os níveis (erradicar o analfabetismo, universalizar o acesso ao ensino fundamental e médio, expandir o acesso ao ensino universitário e promover programas abrangentes de educação profissional, sobretudo para os segmentos sociais mais vulneráveis);

Quarto, é preciso desenvolver uma forte base exportadora, invertendo o atual modelo exportador de emprego e causador de vulnerabilidades externas ao país;

Quinto, é preciso equacionar o problema das dívidas e dos déficits internos e externos, as grandes fontes atuais de vulnerabilidades econômicas ao País. Deve-se combater a sonegação, a evasão e a elisão fiscais; pôr fim à maioria dos subsídios fiscais; melhorar a qualidade do gasto público e priorizar os gastos redutores da desigualdade social e promotores do desenvolvimento; reorientar a política de crédito para beneficiar as pequenas e micro-empresas;

A dívida pública e o seu processo de alimentação – o déficit público - devem ser encarados como um problema fundamentalmente político. É preciso deslocar o tema órbita dos fundamentalistas e dos interesses puramente mercantis e trazê-lo para o debate com o conjunto da sociedade, a quem cabe decidir pelo melhor uso do "fundo público", este instrumento fundante do estado moderno, garantia que resta de alguma solidariedade social e sempre o último recurso para "salvar o capitalismo de si mesmo". Num quadro de incertezas e vulnerabilidade crescentes, a recorrência ao endividamento deve ser reservada a circunstâncias inevitáveis (guerras, catástrofes, crises súbitas, etc.) ou utilizada quando a coletividade julga por bem antecipar resultados no tempo, através da melhoria da infra-estrutura sócio-econômica e da incorporação do progresso tecnológico. Nossa experiência de endividamento está muito longe desses nobres propósitos coletivos. Em vez de comprometer o presente com um futuro mais promissor para a coletividade, tem feito o oposto: está comprometendo o futuro com o passado, está alimentando a barbárie e a perversidade globais às custas da miséria e dos grandes problemas sociais indefinidamente adiados pela destruição e rapinagem do fundo social público!
 
 

Sexto, deve-se repensar a forma de inserção na economia global, de forma que se amenizem os efeitos perversos e se maximizem os efeitos benéficos de uma maior integração econômica, que não deve ser conduzida apenas sob pressupostos econômico-competitivos. O processo de internacionalização da economia deve ser política e economicamente dosado e orientado para gerar capacidade técnica e sistêmica interna que permita ao país alcançar os mercados globais, num movimento inverso. Caso contrário, esse processo de internacionalização poderá ser abortado, mais cedo ou mais tarde.

Há uma bela canção do Milton Nascimento que diz que "Ficar de frente para o mar, de costas para o Brasil, não vai fazer deste lugar um bom país". Uma nação heterogênea, imensa e complexa como a brasileira não pode continuar sendo tratada como um gigantesco comensal passivo, um objeto de espoliação das finanças globais, prisioneiro do ímpeto consumista e da atitude predatória de suas classes abastardas. Não se pode tolerar a redução de todas as dimensões da vida à economia e a redução da economia à dimensão competitiva. A atual política econômica reduz o trabalho, sua remuneração, suas instituições e até mesmo a educação profissional a uma mera questão de custo ou produtividade que importa apenas porque é (supõe-se) fator relevante para a dita inserção competitiva na ordem global. É preciso subverter essa lógica, é preciso fundar a política numa nova ética, baseada no reencontro da economia com a cultura, com a história, com a cidadania.

Como você avalia a situação de Viçosa quanto ao problema do emprego?

Estima-se que existam em Viçosa cerca de 6.000 desempregados, ou 20% da PEA local. É um número muito elevado. A economia local é muito dependente da UFV. Enquanto a UFV se expandia, cresceram o comércio, a construção civil e alguns serviços voltados à população estudantil, como reprografia, informática, papelarias, bares e restaurantes etc. Mas a UFV parou de crescer justamente quando a economia brasileira entrou em estagnação, acentuando-se os problemas sociais da cidade. Esse dinamismo baseado na UFV tem levado a formas perversas de apropriação do espaço urbano, com elevada concentração da posse da propriedade e encarecimento dos aluguéis comerciais e residenciais. Além disso, faz com que boa parte das pequenas poupanças, sem outras oportunidades aparentes de uso, acabem sendo acumuladas sob a forma de patrimônio imobiliário, levando a uma economia bastante patrimonialista. Suspeito que poucas cidades tenham um grau tão elevado de concentração dos títulos de propriedade urbana quanto Viçosa. São esses mesmos donos do espaço que sempre mandaram na política local.

O que poderia ser feito para reduzir o desemprego na cidade?

O problema do emprego deve ser situado na perspectiva do desenvolvimento, embora sejam imprescindíveis medidas emergenciais para amenizá-lo. O que importa para pensar o desenvolvimento local é reconhecer que Viçosa é uma cidade complexa, marcada por enormes problemas e profundos contrastes sociais, mas, ao mesmo tempo, dispõe de condições privilegiadas para enfrentá-los. Utilizando-se adequadamente o potencial técnico e cultural da cidade seria possível desenvolver atividades econômicas intensivas em conhecimento, ampliando a idéia das incubadoras de base tecnológica. Poderíamos desenvolver uma significativa economia agrícola baseada na agricultura e na agroindústria de base familiar, já que temos uma expressiva economia urbana e considerável demanda por bens e serviços sociais. Poderíamos ainda ampliar o sistema de educação superior e profissional público e privado, desenvolver o turismo de eventos técnico-científicos, culturais e recreativos. Poderíamos dar um salto de qualidade na área educacional, erradicando o analfabetismo - que deve atingir mais de cinco mil pessoas acima de 15 anos - e elevando o nível escolar de toda a população com a universalização do acesso ao ensino fundamental e médio. As políticas públicas sociais e urbanas poderiam ser significativamente melhoradas, preparando as condições essenciais de infra-estrutura para o desenvolvimento da cidade. Poderíamos, ainda, criar, a baixo custo, ocupações emergenciais para parte da população desempregada, mobilizando-a em atividades de grandes impactos sobre a qualidade de vida da cidade, como, por exemplo, a recuperação de escolas, ruas e calçadas, a melhoria da paisagem urbana, a recuperação do meio ambiente etc. Eu não tenho dúvidas de que nossa cidade pode dar exemplos de alcance nacional e até internacional em termos de capacidade de resolver criativamente muito de seus problemas.

Outro fator favorável importante é que somos ainda uma comunidade, podemos encarar nosso vizinho como irmão, podemos conhecê-lo, podemos estar juntos envolvidos em atividades desportivas, recreativas, culturais, religiosas nos bairros ou em qualquer lugar; somos um lugar onde ainda é possível o acontecimento fantástico da solidariedade, porque o tecido social não atingiu ainda o grau de deterioração das grandes cidades.

O que você acha da idéia da Agência de Desenvolvimento?

Tenho defendido a criação da AD em Viçosa. Agora, temos de tomar cuidado para que certas idéias não sirvam de pretextos para a falta de imaginação. Quando eu vejo uma adesão imediata a alguma idéia, encaro o fato com preocupação. A questão fundamental não é criar ou não o que quer que seja, mas saber o que precisamos e podemos fazer. Muitas idéias são boas apenas para gerar ocupação e renda para aqueles que as defendem. Outro dia, num debate sobre emprego na Câmara de Vereadores, quando alguém mencionou a idéia da AD ela se transformou na vedete da discussão, como uma espécie de panacéia para a solução de nossos problemas de desenvolvimento. Então, para que discutir saídas? basta criar a AD que, segundo dizem alguns, contam com as soluções infalíveis propostas pelo SEBRAE. Eu encaro a AD como uma bem-vinda forma de fortalecimento da sociedade civil, uma entidade que possa trazer uma contribuição positiva para o desenvolvimento da cidade a partir de um ponto de vista da classe empresarial. Inclusive, acho que não deveria haver patrocínio público permanente para a manutenção da AD, para não criar um laço de dependência e subordinação com o poder público.

E quais seriam então as saídas?

O nosso maior problema inicial é a falta de criatividade política para desenvolver e aproveitar o potencial de criatividade técnica e cultural de que a cidade dispõe. Há uma distância enorme entre o que a cidade poderia fazer e aquilo que suas atuais instituições efetivamente fazem. Veja o caso de nossa Câmara de Vereadores, que não é melhor ou pior do que qualquer outra. Ela é paga - eu diria que até bem paga - pela sociedade, mas se você olhar bem, não consegue fiscalizar o executivo e nem cumprir satisfatoriamente seu papel legislativo. Observe a situação caótica do ordenamento jurídico da cidade: leis que confrontam outros leis maiores, leis feitas para atenderem a determinadas situações ou interesses particulares, inexistência ou puro desrespeito às leis mais importantes e assim por diante. A Câmara atual não é um lugar apropriado de elaboração de consensos, porque ela não consegue refletir sobre a pluralidade dos temas sociais em tempo e nível de profundidades adequados. Os consensos que ali se elaboram baseiam-se em critérios do tipo estar contra ou a favor de determinados interesses, em geral do prefeito e dos grupos dominantes. O poder executivo não é muito diferente, pois padece de uma espécie de travamento institucional que lhe tolhe a imaginação e a capacidade de ação. O que eu defendo, na verdade, é um progressivo deslocamento do poder para a sociedade civil, seja do executivo ou do legislativo. Veja que isso já está ocorrendo, porque os poderes instituídos e a própria sociedade estão se dando conta do estrondoso fracasso de nossas atuais instituições. Muitos dos processos políticos relevantes estão ocorrendo nos Conselhos Municipais, em instâncias como comissão de trânsito, comissão de patrimônio, orçamentos participativos em algumas cidades e tantas outras formas institucionais que ainda são praticamente marginais. Eu defendo radicalizar essa tendência, defendo a formação e valorização de espaços públicos de elaboração de consensos fora do estrito universo estatal.

O que há de errado com o modelo atual?

Nossa instituições políticas são herdeiras da sociedade industrial, da era da produção em massas. O pressuposto era o de que o consumidor, o empresário e o eleitor, tomados de forma individualizada, cada qual se comportando de forma mais oportunista possível, proporcionariam as melhores escolhas e a melhor racionalidade possível aos processos sociais nos domínios privado e público, na economia e na política. Isso é uma bobagem hoje em dia, pois a sociedade não é (e nunca foi) um monte de indivíduos atomizados, trombando uns nos outros; ela é feita de instituições através das quais consensos mínimos são resolvidos cotidianamente.

Como você vê o papel da UFV para o desenvolvimento da cidade?

Os políticos locais encaram os universitários como interesseiros; os universitários, por sua vez, desconfiam das reais intenções dos políticos locais. Então, fica difícil desenvolver um trabalho mais intenso de colaboração. De uma lado, uma cidade incapaz ou incompetente para mobilizar os recursos técnicos disponíveis. De outro, uma elite escolarizada insensível ou indiferente aos problemas da comunidade. Uma maneira de contornar gradativamente esse problema seria constituir novas instituições para elaboração de consensos e encaminhamento de decisões importantes para o destino da cidade. Os universitários precisam compreender o seu papel político e ético e colocarem com empenho sua competência técnica a serviço da comunidade. Os políticos têm que abrir mão da idéia de que o governo - que é um total desgoverno - da cidade é assunto exclusivamente deles. Atualmente, os universitários têm um interesse muito distante pelos assuntos políticos da cidade, talvez porque possam pagar pelas escolas particulares, planos de saúde, lazer, etc. e não precisem dos serviços públicos locais. Acho que há ainda uma dimensão cultural por traz dessa atitude: boa parte da elite local melhor escolarizada nunca assume a cidade como opção permanente de moradia ou projeto de vida, mesmo que aqui permaneça definitivamente. São pessoas fisicamente presentes, mas espiritualmente ausentes. Nem mesmo sindicatos importantes como a ASPUV e a ASAV costumam dar alguma importância para os problemas da comunidade. Viçosa deve ser uma das poucas cidades do mundo onde a figura do professor universitário é ainda mitificada. Talvez porque esses professores não façam quase nada por ela.

Como a universidade poderia colaborar melhor para o desenvolvimento da cidade?

Seria pretensioso e impossível assinalar todas as formas de colaboração. O que importa é que essa questão seja formulada a partir das diversas áreas de conhecimento e dos profissionais nelas engajados. Nas ciências humanas, agrárias, exatas, biológicas e da saúde, em todas elas há uma infinidade de formas de engajamento para o desenvolvimento local. Obviamente, a maior contribuição da universidade seria melhorar o próprio acervo de conhecimentos e informações capazes de induzir melhorias da qualidade de vida da cidade e da região. Acho que há um excesso de liberalismo em deixar que cada indivíduo faça o que bem entende em nossa universidade. Deveria haver maior empenho institucional na definição de critérios para aplicação dos recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis, de modo a contemplar minimamente as questões locais e regionais em atividades de pesquisa, seminários e outros eventos técnico-científicos.

Quais são as perspectivas em relação ao Plano Diretor?

O Plano Diretor, em fase de conclusão, reflete com profundidade e realismo os principais desafios e oportunidades para o desenvolvimento da cidade. Trata-se do resultado de uma das mais fecundas experiências de cooperação entre a cidade e a universidade e, por isso mesmo, deveria ser tocado adiante inclusive para não frustrar e até inviabilizar novas formas de colaboração. O documento do Plano Diretor contém as bases para o estabelecimento de vários tipos de parcerias, não apenas com a universidade, mas também com outros agentes sociais e órgãos governamentais. As forças políticas locais estão diante de uma responsabilidade histórica importante para o destino da cidade. Acho que o Plano Diretor deveria ser o eixo para a formação de uma articulação política realmente disposta a melhorar a vida da cidade, devendo-se superar divergências menores e ocasionais. Vamos aguardar alguns dias para ver qual o grau de comprometimento do poder executivo com o Plano Diretor que ele mesmo encomendou. Há três cenários possíveis: o prefeito pode não fazer absolutamente nada, de forma que o Plano Diretor se transforme numa lei com a qual ou sem a qual tudo permanece tal e qual. O prefeito pode tentar implementar as diretrizes do Plano, mas reações poderosas de grupos locais, muitos dos quais em seu arco de alianças, podem simplesmente empurrá-lo noutra direção ou mesmo forçá-lo a negligenciar decisões realmente importantes. Finalmente, o prefeito pode articular um bloco de forças políticas, incluindo setores da oposição, capazes de dar sustentação ao Plano. A pior das situações seria não fazer nada.Com a palavra o prefeito e as oposições.
 

Plano Diretor: Por uma Viçosa melhor para todos
 
 
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