17a Aula

CONSTRUINDO OS MERCADOS LIVRES

Na manhã de 20 de dezembro de 1994, uma das mais ambiciosas experiências mundiais de livre mercado foi abortada, decorrente da desvalorização do peso mexicano. Antes da desvalorização, a experiência mexicana era tida como algo a ser imitado pelos países em desenvolvimento em todo o mundo. Entre as recentes experiências de edificação do mercado livre nas condições do final do século 20, as da Grã-Bretanha, da Nova Zelândia e do México são particularmente notáveis. Cada uma delas exemplifica, no contexto de uma cultura política nacional específica, as ironias e os paradoxos do livre mercado no recente mundo moderno.

Em cada uma, o ímpeto inicial deveu-se ao fato de que as estruturas econômicas corporativistas haviam se tornado insustentáveis; ao mesmo tempo, a ideologia neoliberal passou a ter uma poderosa influência por seu próprio mérito. Como resultado, o livre mercado utilizou o poder do Estado para atingir suas finalidades, mas enfraqueceu as instituições do Estado em aspectos vitais.

A política thatcheriana se caracterizou inicialmente pelo brutal processo de privatização. Nessa visão de política econômica , a missão era fornecer uma estrutura de normas e regulamentos dentro dos quais o livre mercado - inclusive de maneira crucial, o mercado de trabalho - se auto-regulamentaria. Nessa visão, o papel dos sindicatos como intermediários entre os trabalhadores e o mercado teria de ser alterado e reduzido., tomado-se como base o mercado norte americano com alta mobilidade e flexibilidade salarial.

Como resultado, houve um explosivo crescimento do trabalho temporário e de prestação de serviços, com reduções salariais e redução da carreira nas empresas. A mais intrínseca contradição do livre mercado é que ele funciona para debilitar as instituições sociais tradicionais das quais dependeu no passado - a família é um exemplo fundamental. Outro aspecto é que hoje na Grã-Bretanha, aproximadamente uma em cada cinco famílias não tem uma única pessoa trabalhando, o que caracteriza o surgimento de uma underclass.

Em relação à questão penal, observa-se que os indicadores são maiores do que em qualquer outro lugar na Europa, em termos de elevação dos gastos.

Em termos da Nova Zelândia, essa passou de uma das democracias sociais mais abrangentes do mundo, para um Estado neoliberal. A diferença era que o país não era do terceiro mundo, mas sim de um Estado social-democrático avançado. Logo após a posse do governo em 1984, foram abolidos os controles de câmbio e a moeda passou a flutuar; controles sobre preços, salários, juros, aluguéis e créditos foram eliminados. Os subsídios à exportação foram retirados, as licenças de importação suprimidas e todas as tarifas reduzidas.

A maioria das empresas estatais e seus ativos foi privatizada e em uma decisiva ruptura com a herança keynesiana, o pleno emprego foi abandonado como objetivo de política pública, em favor da meta monetarista de estabilidade de preços. Foi abolido o financiamento à agricultura e houve total desregulamentação do mercado de trabalho. Os hospitais públicos foram convertidos em empresas comerciais e estimulados a competir com os fornecedores privados de assistência médica. A educação foi reestruturada, com responsabilidade devolvida às escolas locais.

O resultado foi o surgimento de um estrato social que nunca existiu no país quando o mesmo era sobrecarregado por um sistema de assistência social para todos. A mensagem dos americanos sempre foi que a pobreza e uma underclass são produtos dos efeitos negativos do Estado assistencial, e não do livre mercado. Ao se abrir para os fluxos do capital transnacional, o país perdeu sua capacidade de elaboração de políticas públicas, pois essa se chocavam com a competitividade, os lucros e a estabilidade econômica.

Foram quatro as razões do enorme e rápido compromisso do governo americano com o México em 1995. A primeira foi para se prevenir dos efeitos financeiros nas bolsas de valores e afetasse a América Latina, Europa e Ásia. A segunda foi impedir perdas adicionais por parte dos americanos cujos fundos de pensão haviam sido investidos no México. A terceira foi para impedir o agravamento da instabilidade política no país e seus efeitos sobre os Estados Unidos e o Nafta. A última razão, e talvez a mais importante, foi o fato do México ser a vitrine da reforma neoliberal do mercado: foi o primeiro país escolhido pelo projeto americano de construção do livre mercado mundo afora.

Políticas de liberalização econômica, como a privatização de tradicionais áreas no campo e o desmantelamento das garantias de preço mínimo para os produtos agrícolas, deixaram os trabalhadores rurais e as comunidades mais vulneráveis a flutuações do mercado, como um colapso do preço do café. De acordo com estimativas, o desemprego aberto ou camuflado deve ter afetado 25% da força de trabalho.

As muitas semelhanças entre os efeitos das políticas de livre mercado em três países bem distintos, dificilmente seriam acidentais. Em cada país, o livre mercado funcionou como uma prensa na qual as classes médias foram espremidas, com o enriquecimento de uma minoria e um aumento da underclass excluída. Ele infligiu sérios prejuízos aos canais políticos ao retirar a legitimidade do Estado e em todos os países, os partidos que implementaram as políticas neoliberais perderam o poder.

O livre mercado transformou cada uma dessas economias num nível além de qualquer recuperação, auxiliado pelas grandes mudanças tecnológicas que, por um breve instante, parecem estar atreladas aos seus próprios objetivos. Em seu apogeu, os defensores do livre mercado foram capazes de mobilizar as forças da globalização econômica para aumentar seu domínio sobre a política em muitos países.