16a Aula

LIVRE MERCADO GLOBAL

O livre mercado criou um novo tipo de economia no qual os preços de todos os bens, inclusive o trabalho, mudavam sem levar em consideração os seus efeitos sobre a sociedade. Organizações transnacionais animadas por essa filosofia tentaram impor mercados livres na vida das sociedades através do mundo. Nos Estados Unidos, os mercados livres contribuíram para problemas sociais numa escala desconhecida em qualquer outro país desenvolvido, onde a ordem social sustenta-se com uma política de prisões em massa.

Num século semeado de falsas utopias, a antiga União Soviética encarnou uma utopia iluminista rival de uma civilização universal, na qual os mercados seriam substituídos pelo planejamento central. O custo foi incalculável, com milhões de vidas perdidas em consequência do terror totalitário, da corrupção generalizada e da enorme degradação ambiental. No final da era soviética, a Rússia estava, em alguns aspectos, mais longe da modernidade do que no fim do período czarista.

Embora a utopia do livre mercado global não tenha acarretado custos humanos na mesma proporção que o comunismo, com o passar do tempo pode se rivalizar em termos do sofrimento que aflige. Até agora já resultou em mais de cem milhões de camponeses transformados em trabalhadores migrantes na China, em dezenas de milhões de pessoas excluídas do mercado de trabalho e da participação social nas sociedades avançadas, uma situação de pré-anarquia de governo pelo crime organizado em regiões do mundo pós-comunista e degradação do meio ambiente.

Um livre mercado global pressupõe que a modernização econômica significa a mesma coisa em todo o lugar: o livre mercado americano. Mas a modernização econômica não reproduz o sistema americano de livre mercado, uma vez que as economias de mercado da Ásia oriental divergem profundamente entre si e com as da China e do Japão exemplificando diferentes espécies de capitalismo. Da mesma forma, o capitalismo russo difere fundamentalmente do capitalismo chinês. Esses novos tipos de capitalismo têm em comum apenas o fato de que não são convergentes com qualquer modelo ocidental.

A utopia atual de um mercado global único pressupõe que a vida econômica de cada nação pode ser reajustada à feição do livre mercado americano. Uma economia mundial não produz um único regime capitalista democrático e sim permite o começo de uma nova competição entre as remanescentes economias de mercado social e o livre mercado na qual os mercados sociais devem se reformular profundamente ou ser destruídos. Sem a redução do tamanho do Estado ou a reinstalação das instituições sociais que sustentaram o livre mercado nos dias do seu apogeu, as políticas  de livre mercado estimulam novas desigualdades em renda riqueza, acesso ao trabalho e qualidade de vida que rivalizam com aquelas encontradas no mundo imensamente mais pobre de meados do século dezenove.

Não existe nada no mercado global dos nossos dias que o proteja contra as tensões sociais que nascem do desenvolvimento desigual. A repentina alternância de períodos de crescimento e declínio das indústrias e dos meios de vida, as súbitas mudanças de produção e capital, o cassino da especulação financeira desafiam o livre mercado global. A reforma das  instituições de bem-estar social a fim de obrigar os pobres a aceitar qualquer trabalho disponível, o sucateamento dos conselhos salariais e de outros controles sobre a renda e a abertura da economia nacional para o livre comércio mundial desregulamentado constituíram-se nas políticas neoliberais centrais e fundamentais durante as décadas de 1980 e 1990 no cenário mundial.

O livre mercado na Grã-Bretanha sobreviveu até o impacto da Grande Depressão, onde passa a se exigir os poderes do Estado para moderar os efeitos das forças do mercado, mitigar a pobreza e promover o bem estar social. A grande verdade é que o livre mercado é uma criação do poder do Estado e existe apenas enquanto o Estado for capaz de impedir que a necessidade humana de segurança e de controle dos riscos econômicos ganhe expressão política.

Contudo, a desordem da vida econômica e social hoje não é causada únicamente pelo livre mercado, mas sim pela banalização da tecnologia, onde rápidamente é copiada e se tornam incompatíveis com tradicionais políticas de pleno emprego. O efeito das tecnologias de informação é o de levar a divisão social do trabalho a um fluxo permanente, com o desaparecimento de muitas ocupações e menor segurança no trabalho.