Citogenética e Bandeamento Cromossômico

 

As primeiras idéias sobre cromossomos surgiram no fim do século XIX, quando os primeiros estudos sobre mitose foram realizados. Em 1866, Haeckel propôs que o núcleo celular era o principal agente responsável pela divisão das células. O primeiro cientista, entretanto, a descrever o processo da divisão celular mitótica de forma clara foi o zoólogo alemão Anton Schneider, em 1873.

Posteriormente, outros cientistas ampliaram os estudos sobre mitose. Contribuições importantes foram dadas por diversos pesquisadores, como Flemming, responsável pelo termo "mitose". Em 1880, Balbiani descobriu a existência de cromossomos politênicos, bastante comuns em insetos. Em 1881, Flemming descobriu os cromossomos plumosos.

Embora os estudos com cromossomos tenham se tornado freqüentes, a idéia de que estavam envolvidos com herança somente surgiu em 1887, nos trabalhos de Weismann, que os introduziu em sua teoria de herança, mesmo com total ignorância das leis de Mendel, as quais foram redescobertas apenas em 1900, por três cientistas: Correns, de Vries e Tschermak. Com o renascimento das leis de Mendel, surgiu a teoria da herança cromossômica, que relaciona os cromossomos com a herança regida pelas leis mendelianas. Este foi um marco para o estudo dos cromossomos, onde a citologia e a genética passaram a sobrepor seus conhecimentos numa área posteriormente denominada citogenética.

            O progresso da citogenética clássica se deu a partir do início do século passado acompanhando o aprimoramento de técnicas e equipamentos de microscopia. Sacchet, 1999 a define como a ciência que estuda os constituintes celulares portadores da informação genética (cromossomos). Em relação à espécie humana, até meados do século passado não se sabia exatamente o número de cromossomos, sendo atribuído a Tjio e Levan (1956) a descoberta de que o genoma humano é constituído por 46 cromossomos (ou 23 pares), sendo 44 autossômicos e 2 sexuais, contribuindo de forma decisiva para estudos de doenças genéticas e de evolução.

             Os cromossomos não se apresentam uniforme ao longo de todo o seu comprimento, uma vez que possuem uma contrição primária, o centrômero, que divide o cromossomo em dois braços (braço curto – p; braço longo – q) e podem apresentar constrições secundárias, como as regiões organizadoras do nucléolo. Além dessas diferenças, cada cromossomo apresenta um padrão característico de bandas. Por meio de técnicas de coloração especial, que coram seletivamente o DNA, cada par cromossômico é individualmente identificado; isto ocorre por apenas um breve período, durante a mitose, na metáfase, quando estão condensados ao máximo e quando os genes são transcritos em baixos níveis. As técnicas de bandeamento cromossômico "expandiram" os horizontes da citogenética, e a primeira aplicação do bandeamento deu-se no pareamento cromossômico. Essas técnicas têm possibilitado compreender melhor as alterações cromossômicas que se estabelecem em cada genótipo (Guerra,1988). Neste trabalho foram abordados os seguintes tipos de bandeamento cromossômico: bandas Q, bandas G, bandas R, bandas C, bandas T, bandas NOR, Bandeamento de Alta Resolução, FISH, Troca de Cromátides-Irmãs.

Bandas Q: os cromossomos são submetidos a um tratamento com quinacrina mustarda, uma substância fluorescente e passam a apresentar faixas com diferentes intensidades de fluorescência, com um padrão de bandas brilhantes e opacas característico para cada par. Tais bandas foram designadas de bandas Q (de quinacrina). O material deve ser analisado em microscópio de fluorescência e as regiões brilhantes são ricas em AT. Tem como importância a detecção de deleções, inversões e duplicações em humanos.

Bandas G: os cromossomos são desproteinizados por ação da tripsina e, posteriormente são corados com Giemsa (de onde deriva o nome bandas G). Os cromossomos mostram um padrão de bandas claras e escuras, no qual as faixas escuras correspondem ao DNA rico em bases AT e poucos genes ativos; as bandas G claras têm DNA rico em bases GC e apresentam muitos genes ativos. Importância: detecção de deleções, inversões e duplicações em humanos.

Bandas R: os cromossomos são tratados com solução salina e calor para uma desnaturação controlada e depois são corados com Giemsa. O resultado de bandas claras e escuras é típico de cada cromossomo e representa o inverso daquele produzido pelos bandeamentos Q e G (de onde deriva sua designação de bandas reversas).

Bandas C: os cromossomos são tratados com solução ode hidróxido de bário e corados com Giemsa. Com este método, são coradas regiões específicas em que o cromossomo apresenta DNA altamente repetitivo, como nas regiões dos centrômeros e em outras regiões cromossômicas (ex: braço longo do Y e telômeros), correspondendo à heterocromatina constitutiva, motivo de sua denominação.

Bandas T: marcam as regiões teloméricas dos cromossomos (o que dá origem a esta denominação). Telômero é a ponta ou a extremidade terminal de cada cromossomo. Tem a função de manter a estabilidade e a integridade cromossômicas.

Bandas NOR: os cromossomos são corados em suas regiões satélites, ou seja, na região organizadora do nucléolo (constrição secundária). A prata (Ag) é um dos corantes mais usados.

Bandeamento De Alta Resolução: os cromossomos são analisados em estados de prófase e pró-metáfase e apresentando compactação de metáfase. São evidenciadas mais de 2000 bandas no cariótipo humano. A técnica pode ser usada na identificação das bandas Q, G e R e detecta alterações cromossômicas pequenas, como microdeleções, importante em estudos evolutivos.

FISH: fluorescence in situ hybridization, é o maior progresso da citogenética nos últimos anos. A técnica baseia-se na formação duplex, sob condições bem definidas, de um fragmento de ácido nucléico de fita simples modificado (sonda ou probe) e sua seqüência complementar (seqüência alvo) em um espécime biológico fixado. Detecta seqüências específicas de ácidos nucléicos, como regiões de microdeleções e rearranjos cromossomais. Essa técnica pode ser usada para estudar os cromossomos de células em metáfase, mas seu principal uso é nas células em intérfase, quando anormalidades numéricas e algumas estruturais podem ser detectadas.

Troca de Cromátides-Irmãs: do inglês, sisters chromatids exchange (SCE). É um evento similar ao crossing-over, que ocorre entre cromátides-irmãs na meiose ou na mitose. Geralmente são visualizadas através da exposição de células a 5-bromodesoxiuridina (5-BrdU), por dois ciclos celulares, permitindo subseqüente diferenciação entre a coloração das cromátides-irmãs. Quantidades iguais de DNA são trocadas e evidenciadas pela diferente coloração entre as cromátides-irmãs. Em humanos não submetidos à condição de toxicidade e nem portadores de câncer a troca de cromátides-irmãs atinge 20% e naqueles que fazem uso de drogas ou portadores de câncer pode chegar a 80% de trocas. Esta técnica é um bom marcador para possíveis danos no DNA. 

Uma das principais aplicações do bandeamento cromossômico é a identificação de cromossomopatias, que são definidas como quaisquer síndromes causadas por anomalias cromossômicas.  Como a informação genética está contida nos cromossomos, é de se esperar que os zigotos que apresentam anomalias cromossômicas (aberrações ou mutações cromossômicas) mostrem, na maioria das vezes, desenvolvimento alterado, visto que as aberrações cromossômicas devem provocar desorganização daquela informação. A estimativa do percentual de concepções com aberrações cromossômicas é de, no mínimo, 10%.

Nem todas as aberrações cromossômicas numéricas são compatíveis com a sobrevivência ou a continuidade reprodutiva das células somáticas por elas afetadas. O estudo sistemático das cromossomopatias revelou que no caso das aberrações autossômicas, todas as alterações numéricas e estruturais, não importa qual o autossomo afetado, estão fortemente associadas a retardamento neuropsicomotor, anomalias esqueléticas e cardiopatias congênitas. Os sinais mais freqüentes são: deficiência mental, peso corporal baixo ao nascer, retardamento no desenvolvimento físico, tônus muscular alterado e diminuição dos reflexos.

 

Nome da Síndrome

Genótipo

Causa

Características principais

Síndrome de Down

47, XX, +21 ou

47, XY, +21

Trissomia do cromossomo 21

- 1: 650 a 1.000 nascimentos

- Olhos com aspecto oblíquo

- Retardo mental

Síndrome de Edwards

47, XX, +18 ou

47, XY, +18

Trissomia do cromossomo 18

- 1: 3.000 nascimentos

- Convexidade plantar

Síndrome de Patau

47, XX, +13 ou

47, XY, +13

Trissomia do cromossomo 13

- 3: 10.000 nascimentos

- Microcefalia e microftalmia

- Fissura lábio-palatal bilateral

Síndrome do

Miado-de-Gato

46, XX, 5p- ou

46, XY, 5p-

Monossomia do cromossomo 5

- 1: 50.000 nascimentos

- choro característico

 

 

Referências

 

- AGUIAR-PERECIN, M. L. R. Bandeamento C e tipos de heterocromatina em milho. In: Tópicos de Citogenética e Evolução de Plantas (Eds. M. AGUIAR-PERECIN, P. MARTINS e G. BANDEL) pp. 137-153. Publ. P. Sociedade Brasileira de Genética, Ribeirão Preto, 1985.

 

- BORGES-OSÓRIO MR, ROBINSON WM. Genética Humana. Porto Alegre. Editora Artmed, 2ª edição, 2002.

 

- DRETS, M. E. and MENDIZÁBAL, M. Microphotometrical image analysis of the subtelomeric region of T-banded endoreduplicated chromosomes of Chinese hamster ovary cells. Division of Human Cytogenetics and Quantitative Microscopy, Instituto de Investigaciones Biológicas Clemente Estable, Avda. Italia 3318, 11600 Montevideo, Uruguay.

 

- GUERRA, M. Heterocromatina e bandeamento cromossômico. In: GUERRA, M. Introdução à Citogenética Geral. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988. p. 26-35.

 

- ROONEY DE, CZEPULKOWSKI BH. Human Chromosome Preparation- Essential Diagnoses. Reino Unido. Editora Wiley, 1997.

 

- SACCHET, A. M. O. F. Citogenética vegetal: instrumento de pesquisa e ponte como ensino médio e fundamental. In: SACCHET, A. M. O. F. (Org.). Genética para que te quero? Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1999. p. 87-95.

 

- VERMA RS, BABU A. Human Chromosomes – Principles and Techniques. New York. McGraw-Hill, Inc, 2a edição, 1995.

 

 

PRELECIONISTA: ANDRÉ PEREIRA LEÃO