Universidade Federal de Viçosa

Programa de Pós Graduação em Genética e Melhoramento

Seminário Tema Livre

                              

 

MESA REDONDA

 

PRELECIONISTAS: Cássia Ângela Pedrozo

  Felipe Lopes da Silva

                                      Mauro Sérgio de Oliveira Leite

 

MODERADOR: Márcio Henrique Pereira Barbosa

 

 

Programa de Melhoramento da Cana-de-açúcar da UFV: Panorama e Perspectivas

 

A base do agronegócio cana-de-açúcar é o melhoramento genético. A cultivar é a tecnologia de maior importância para aumento da produtividade de cana e de açúcar para diversas finalidades. Os primeiros programas de melhoramento surgiram no Brasil no início do século XX e as contribuições proporcionadas por estes durante esse século foram apresentadas por Matsuoka et al. (2005). Atualmente, existem quatro programas ativos no Brasil (Instituto Agronômico de Campinas- IAC, Centro de Tecnologia Canavieira - CTC, Canavialis e a Rede Interuniversitária para Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro – RIDESA). O Programa de Melhoramento da RIDESA foi criado com a finalidade de incorporar as atividades do extinto PLANALSUCAR e tem como ponto forte a parceria com as empresas produtoras de açúcar e álcool. É constituída por sete Universidades Federais (UFPR, UFSCar, UFV, UFRRJ, UFG, UFAL e UFRPE) e começou a desempenhar suas funções em 1991, aproveitando a capacitação dos pesquisadores e as bases regionais do ex-PLANALSUCAR, aos quais se juntaram professores das universidades (Barbosa et al., 2005). A RIDESA tem como base para o desenvolvimento da pesquisa 13 estações experimentais estrategicamente localizadas nos Estados onde a cultura da cana-de-açúcar apresenta maior expressão. Além dessas estações experimentais, a rede também desenvolve pesquisa nos campus das sete universidades federais, envolvendo, principalmente, pesquisas conduzidas nos diferentes cursos de pós-graduação, em nível de mestrado e doutorado. Nesta nova fase a Rede já liberou 46 cultivares, dando incalculável retorno aos investimentos aplicados à pesquisa. Mais importante que o número de cultivares liberadas é o nível de adoção das mesmas pelo setor produtivo. Atualmente, as cultivares de sigla RB estão sendo cultivadas em mais de 50% da área plantada com cana-de-açúcar no país, chegando em algumas regiões a representar até 70%.

 

Referências

 

BARBOSA, M.H.P.; RESENDE, M.D.; SILVEIRA, L.C.I.; PETERNELLI, L.A. Estratégias de melhoramento genético da cana-de-açúcar em universidades. In: IX Simpósio sobre seleção recorrente. Lavras: UFLA, 2005.

 

MATSUOKA, S.; GARCIA, A. A. F.; ARIZONO, H. Melhoramento da cana-de-açúcar. In: BORÉM, A. (Ed.). Melhoramento de espécies cultivadas. Viçosa: Ed. da UFV, 2005. p. 205-251.

 

< http://www.ridesa.org.br/> Acesso em 11/12/2006.

 

<http://www.ufv.br/Dft/Cana/cana.htm> Acesso em 11/12/2006.

 

 

Estratégias de melhoramento genético da

cana-de-açúcar em universidades

 

Márcio Henrique Pereira Barbosa1, Marcos Deon Vilela de Resende2, Luís Cláudio Inácio da Silveira1, Luiz Alexandre Peternelli3

 

____________________________

1Departamento de Fitotecnia, Universidade Federal de Viçosa-UFV, Viçosa-MG, CEP:36.570-000. barbosa@ufv.br, luiscis@pontenet.com.br.

2 Pesquisador da Embrapa Florestas, Estrada da Ribeira km111, cx 319, Colombo-PR. deon@cnpf.embrapa.br

3 Departamento de Informática – Área de Estatística, UFV. peternelli@dpi.ufv.br

 

 

1. Introdução

 

A base do agronegócio cana-de-açúcar é o melhoramento genético. O cultivar é a tecnologia de maior importância para aumento da produtividade de cana-de-açúcar e melhoria na qualidade da matéria prima para fabricação de açúcar e álcool. No início do PROÁLCOOL, década de 70, eram produzidos em média, no Brasil, 87 kg de ART (açúcares redutores totais) por tonelada de cana e atualmente, na década de 90, foram produzidos em média 140 Kg de ART. Com base nestes números verificou-se ganho anual de 2% de ART. Por outro lado verificou-se incremento menor, isto é, 1% para toneladas de colmos por hectare – TCH. De acordo com os dados do IBGE a produtividade média na década de 70 era de 49 TCH e para a década de 90, 64 TCH. Obviamente, esses ganhos em TCH e ART são decorrentes do emprego de tecnologias tanto na área agrícola como na industrial. Neste cenário, os cultivares ocupam reconhecidamente posição de destaque, embora seja difícil quantificar a contribuição de cada fator de produção para o avanço global.

Os primeiros programas de melhoramento surgiram no Brasil no início do século XX. As contribuições proporcionadas pelos diversos programas durante esse século foram apresentadas por Matsuoka et al. (2005). Atualmente, existem quatro programas ativos no Brasil: 1) O programa de melhoramento do Instituto Agronômico de Campinas-IAC (http://www.iac.sp.gov.br); 2) O programa de melhoramento do Centro de Tecnologia Canavieira - CTC (http://www.ctc.com.br), extinta Copersucar; 3) Mais recentemente, em 2004 surgiu o programa de melhoramento da Canavialis (http://www.canavialis.com.br) e 4) O Programa de melhoramento das universidades federais que compõem a Rede Interuniversitária para Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro – RIDESA (http://www.ridesa.org.br). As universidades participantes da RIDESA são: Universidade Federal Rural de Pernambuco, Universidade Federal de Alagoas, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Universidade Federal de Viçosa, Universidade Federal de São Carlos e Universidade Federal do Paraná. Estima-se que mais da metade da área cultivada com cana-de-açúcar no centro-sul do Brasil emprega os cultivares desenvolvidos pelas universidades anteriormente relacionadas e a outra parte pelos cultivares da extinta Copersucar, atualmente CTC (Figura 1).

 

Figura 1. Evolução da porcentagem da área cultivada no centro-sul do Brasil com os cultivares das Universidades Federais (RB), Centro de Tecnologia Canavieira (SP) e de outras instituições nacionais ou estrangeiras (Co, CB e NA)

 

Embora os resultados apontados tenham sido muito expressivos para o setor sucroalcooleiro e sobretudo para nosso país, ainda assim os investimentos em pesquisa no Brasil têm sido muito modestos em relação a países como Colômbia, Guatemala, Barbados e Ilhas Fidji. Segundo o GEPLACEA (Grupo de los Países Latinoamericanos y del Caribe Exportadores de Azúcar) os países mencionados anteriormente têm investido em média 1,5 dólar por tonelada de açúcar produzido. Austrália e Mauritius aplicam em pesquisa e desenvolvimento mais de 3 dólares por tonelada de açúcar. No Brasil o setor privado tem investido em torno de 0,68 dólar por tonelada de açúcar produzido. Mesmo assim, pela grandeza de nosso setor, têm-se realizado poucas pesquisas básicas na área de melhoramento genético e também nas áreas de solos, nutrição e adubação, pragas e doenças, manejo da lavoura, gestão ambiental, economia, planejamento, dentre outras.

           

2. O programa da RIDESA (universidades federais)

 

            A Rede Interuniversitária para Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro - RIDESA, formada por Universidades Federais - Ministério da Educação e Desporto, foi criada com a finalidade de incorporar as atividades do extinto PLANALSUCAR, e dar continuidade ao desenvolvimento de pesquisas visando a melhoria da produtividade do setor.

            A RIDESA foi inicialmente instituída por meio de convênio firmado entre sete Universidades Federais (UFPR, UFSCar, UFV, UFRRJ, UFSE, UFAL e UFRPE ) que estavam localizadas nas áreas de atuação das Coordenadorias do ex-PLANALSUCAR, do qual foi absorvido o corpo técnico e a infraestrutura das sedes das coordenadorias e estações experimentais. Com o apoio de parte significativa do Setor Sucroalcooleiro, por meio de convênio, a rede começou a desempenhar suas funções em 1991, aproveitando a capacitação dos pesquisadores e as bases regionais do ex-PLANALSUCAR, aos quais se juntaram professores das universidades.

            Em 2005, a RIDESA completou quatorze anos de atuação e está consolidada nas universidades. Tem como base para o desenvolvimento da pesquisa 12 estações experimentais estrategicamente localizadas nos Estados onde a cultura da cana-de-açúcar apresenta maior expressão (Figura 2). Além dessas estações experimentais, a rede também desenvolve pesquisa nos campus das sete universidades federais, envolvendo, principalmente, pesquisas conduzidas nos diferentes cursos de pós-graduação, em nível de mestrado e doutorado.

 

Figura 2. Estações experimentais da Rede Interuniversitária para Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro – RIDESA (www.ridesa.org.br)

 

            Nestes dez anos de atuação, as universidades federais deram maior ênfase à manutenção e continuidade da pesquisa relacionada ao Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-Açúcar (PMGCA), que continuou a utilizar a sigla RB para identificar seus cultivares. Nesta nova fase do PMGCA, a Rede já liberou 17 cultivares para as Regiões Centro-Oeste, Leste, Sudeste e Sul, e 13 cultivares para a Região Norte-Nordeste.

            Mais importante que o número de cultivares liberados é o nível de adoção dos mesmos pelo setor produtivo. Atualmente, os cultivares de sigla RB, anteriormente desenvolvidos pelo PLANALSUCAR, e atualmente pela RIDESA, estão sendo cultivados em mais de 50% da área plantada com cana-de-açúcar no país, chegando em algumas regiões a representar até 70%. Isto significa que a RIDESA apresentou grande eficiência nestes últimos quatorze anos, dando incalculável retorno aos investimentos aplicados à pesquisa.

            Com os objetivos da RIDESA alcançados, nesta nova era a proposta é de fortalecimento, com a agregação da Universidade Federal de Goiás-UFG a partir de 2004. Desta forma surgem duas novas estações experimentais para o CERRADO, uma localizada em Goiânia-GO, da UFG e outra em Capinópolis-MG da UFV, sendo que nesta última os trabalhos se iniciaram em 2003.

            O programa da RIDESA tem como ponto forte a parceria com as empresas produtoras de açúcar e álcool. As usinas e destilarias têm participado do desenvolvimento dos cultivares desde as etapas iniciais do programa. Logo a adoção dos novos cultivares ocorre de maneira muito fácil, pois o produtor produz sua própria muda, além é claro de já ter testado os novos clones em suas terras por meio de experimentos e também em talhões semi-comerciais. Esse trabalho de parceria permite ao produtor e ao melhorista definir a melhor estratégia de manejo para os novos cultivares. Nas décadas de 70 e 80 os produtores tinham poucas opções de cultivares para produção (Figura 3). Atualmente o produtor já conta com mais opções de cultivares (Figura 4), o que permite minimizar os riscos (fatores bióticos e abióticos) de queda de produtividade em uma monocultura extensiva como é o caso da cana-de-açúcar.

Para o manejo de cultivares recomenda-se não ultrapassar o limite de 15% da área total cultivada com um único cultivar. Esse percentual é adequado para imediata substituição de algum cultivar, caso o mesmo, venha apresentar algum declínio de produção devido a doenças ou também pela necessidade de substituição dos cultivares por outros mais produtivos. Isso porque as lavouras têm sido renovadas em média após quatro cortes ou safras. Logo, o não plantio de determinado cultivar permite excluí-lo do censo de cultivares da empresa em poucos anos.


 

 

Figura 3. Evolução da porcentagem da área cultivada com os principais cultivares                                 nos estados da região centro-sul do Brasil no período de 1975 a 1993

 

Figura 4. Evolução da porcentagem da área cultivada com os principais cultivares                                 nos estados da região centro-sul do Brasil no período de 1988 a 2004

3. Florescimento e hibridação

A cana-de-açúcar é uma planta alógama (Walker, 1987), pertencente à família Gramineae (Poaceae), tribo Andropogoneae e gênero Saccharum. Em nível de espécie, a classificação botânica mais aceita é aquela relatada por Jeswiet (1925), modificada por Brandes (1956), conforme citado por Daniels e Roach (1987). Segundo esses autores, no gênero Saccharum ocorrem seis espécies: S. officinarum, S. spontaneum, S. robustum, S. sinense, S. barberi e S. edule.

A alogamia ocorre principalmente devido a macho-esterilidade. Logo, é importante determinar se o genótipo será utilizado no programa de melhoramento como macho, fornecendo pólen ou se como fêmea recebendo pólen (Heinz e Tew, 1987).  Dependendo do potencial do clone fêmea em liberar pólens viáveis, ele deverá passar por um processo de emasculação (James, 1980). A emasculação é uma ferramenta importante para se evitar a autofecundação nos cruzamentos biparentais. Dentre os vários tratamentos propostos, o mais utilizado é o com água quente a 50 oC durante 4,5 minutos (Machado JR et al.,1995). Mcintyre e Jackson (1996) estimaram por meio de marcadores moleculares percentuais de 2,8 a 17,6% de autofecundação.

Para realizar a hibridação, a primeira necessidade é o florescimento e seu sincronismo. Esses dois fatores foram, sem dúvida, uma das grandes barreiras encontradas pelos melhoristas de cana-de-açúcar. Visando solucionar esse problema, alguns pesquisadores estudaram as zonas onde a cana-de-açúcar floresce regularmente, bem como seu centro de origem. Concluíram que as condições agroecológicas favoráveis ao seu florescimento constituem-se de temperatura mínima de 18 oC e máxima de 32 a 35 oC, umidade relativa e precipitações elevadas, solos pobres e latitude entre 10 oN e 10 oS (Levi, 1983 e 1992).

No Brasil existem duas estações de cruzamentos onde o florescimento da maioria dos genótipos é possível em condições naturais: a estação de cruzamentos da Serra-do-Ouro, em Murici, AL, vinculada ao Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Alagoas, que fornece sementes à Rede Interuniversitária para Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro (RIDESA), e a estação de cruzamentos do CTC (antiga Copersucar) localizada em Camamu, BA, que produz sementes tanto para seu próprio programa quanto para o programa do IAC. Uma terceira estação de cruzamentos tem sido implantada em Maceió-AL para atender ao programa da Canavialis. Nos países onde as exigências agroecológicas não são satisfatórias, o florescimento só é possível com a utilização de câmaras climáticas, em que temperatura, umidade, luz e nutrientes são devidamente controlados (Levi, 1983).

Dentre os métodos de hibridação da cana-de-açúcar, o que se tem usado é o policruzamento, que consiste em reunir grande número de genitores para que se intercruzem; e o cruzamento simples (biparentais), em que os genitores masculinos e femininos são conhecidos. Este último tem sido preferivelmente, o mais utilizado pelos melhoristas. Para tornar viáveis os cruzamentos, desenvolveu-se uma solução ácida, que permite manter vivos os colmos retirados do campo durante todo o tempo necessário para a maturação da semente (Heinz e Tew, 1987).

Sob o aspecto comercial, o florescimento é indesejável, porque interrompe o crescimento, bem como consome energia, podendo secar as células parenquimentosas, fenômeno denominado “chochamento” ou “isoporização”. Por isso, a renitência ao florescimento é um caráter procurado na seleção de cultivares e tem sido também um dos fatores responsáveis pelo não-florescimento dos clones utilizados nos cruzamentos, obrigando os programas de melhoramento a localizar a estação de cruzamentos em locais onde mesmo esses genótipos mais renitentes possam florescer regularmente e ter fertilidade.

 

4. Logística do PMGCA da RIDESA

 

            O ponto de partida do Programa de Melhoramento Genético da Cana-de-Açúcar-PMGCA da RIDESA é o banco de germoplasma localizado na Estação de Floração e Cruzamento da Serra do Ouro (UFAL), no município de Murici, Estado de Alagoas. Naquele banco estão reunidos mais de 2000 genótipos, entre cultivares utilizados no país, clones, outras espécies relacionadas ao gênero Saccharum e cultivares importados das diferentes regiões canavieiras do mundo.

            Após a obtenção das sementes em cruzamentos pré-estabelecidos pelas equipes das universidades que compõem a RIDESA, as mesmas são enviadas aos respectivos Estados, onde são produzidas as plântulas que, uma vez transplantadas para o campo, definem a primeira fase de seleção (T1). A RIDESA tem produzido anualmente cerca de 1.000.000 de plântulas para a fase T1. Em algumas universidades a seleção é feita em duas épocas, abril e julho, de forma a se buscar, naquela primeira época, clones que apresentem a característica importante de precocidade. Mais de 20 mil novos clones tem sido gerados anualmente pelas universidades. Estes clones são avaliados posteriormente nas estações experimentais na fase denominada T2. Os clones são avaliados experimentalmente em parcelas de um sulco de 5 a 8 metros de comprimento, empregando-se o delineamento em blocos aumentados.

            Na segunda fase de seleção (T2) seleciona-se em planta e soca os clones superiores que por sua vez são avaliados na fase T3. A RIDESA tem selecionado para a fase T3 mais de 2000 novos clones por ano. A partir desta fase os clones selecionados em cada universidade são trocados entre elas. Nesta etapa os novos clones são multiplicados e introduzidos nas usinas e destilarias conveniadas com as respectivas universidades que atuam nas diferentes regiões canavieiras do Brasil. Nas terras das usinas e destilarias têm sido avaliados por meio de experimentos por três anos consecutivos os clones promissores. Esta fase é denominada de FE, isto é, fase experimental.

            O programa de desenvolvimento de novos cultivares de cana-de-açúcar é por natureza essencialmente de longa duração. Logo a persistência é uma virtude das pessoas envolvidas neste processo. Normalmente o lançamento de novos cultivares tem ocorrido após cerca de 13 anos de inúmeras avaliações dos clones por meio de experimentos observando-se a reação dos clones às doenças e pragas e a produtividade dos mesmos em diferentes ambientes de produção. Um fluxograma sobre o processo anteriormente citado é apresentado na Figura 5.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Figura 5. Fluxograma das fases do programa de melhoramento genético das universidades que integram a RIDESA

 

 

5. Seleção recorrente

 

            Seleção recorrente é todo processo cíclico de melhoramento que envolve a obtenção das progênies, sua avaliação e intercruzamento (recombinação) das melhores. Por esse conceito praticamente o melhoramento da cana-de-açúcar é implicitamente uma forma de seleção recorrente, pois os clones superiores ou novos cultivares serão novamente empregados em cruzamentos para geração das novas progênies.

            De modo geral, embora não explicitamente, a seleção recorrente intrapopulacional (SRI) tem sido aplicada ao melhoramento da cana-de-açúcar. Os clones superiores gerados ao final do procedimento básico (cruzamento seguido pela seleção clonal) são intercruzados (recombinação) para a geração das famílias híbridas de um novo ciclo seletivo (Figura 6). É importante relatar que a cana-de-açúcar é semi-perene e, portanto, há sobreposição de gerações e clones de diferentes gerações são intercruzados e não apenas aqueles de determinado ciclo seletivo. A SRI é mais eficiente em espécies que não apresentam elevada heterose e/ou divergência genética no material sob melhoramento. Caso contrário, a seleção recorrente recíproca (SRR) deve ser preferida, como será relatado posteriormente para o melhoramento da cana-de-açúcar.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Figura 6. Esquema de SRI implícito para o melhoramento da cana-de-açúcar

            A seleção recorrente permite o aumento gradativo da freqüência dos alelos favoráveis por meio de ciclos sucessivos de seleção e recombinação dos melhores indivíduos das melhores progênies. Isso é relevante, dado que a maioria dos caracteres de importância agronômica da cana-de-açúcar é controlada por vários genes. Portanto a probabilidade de um clone vir a possuir todos os alelos favoráveis é muito baixa, logo surge a importância da recorrência.

            Sem dúvida, a seleção de indivíduos superiores (obtenção dos clones) será mais eficiente se for conduzida em populações de maior média ou maior freqüência de alelos favoráveis. Com base nesta premissa é que alguns programas de melhoramento da cana-de-açúcar no mundo têm praticado rotineiramente seleção de famílias antes da obtenção dos clones (Cox et al., 2000; Bressiani, 2001; Kimbeng e Cox, 2003), sobretudo para caracteres cuja herdabilidade baseada nas médias de famílias tem sido superior a herdabilidade com plantas individuais, tais como a produção de colmos.

 

O esquema (a) apresentado na figura 7 tem sido o procedimento adotado pela RIDESA nos últimos anos. A partir dos cruzamentos, selecionam-se, de forma massal, os indivíduos a serem submetidos aos testes clonais. Em outras palavras, não se utiliza da informação de família para a seleção dos clones potenciais. Os critérios empregados para escolha dos cruzamentos são:

            (i)    Evitar cruzamentos entre parentes,

            (ii) Preferencialmente, empregam-se nos cruzamentos clones elites e cultivares desenvolvidos no País ou região,

            (iii) Associação de importantes características agroindustriais

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Figura 7. Esquemas básicos para a geração de clones superiores em cana-de-açúcar

 

 

            O esquema (b) conforme mostrado na figura 7 faz uso dos testes de famílias em experimentos com repetições, mas não são realizadas medições em nível individual. Assim, não é possível a predição dos valores genotípicos individuais dos clones potenciais pelo procedimento BLUP individual (Resende, 2002). Entretanto, pode-se utilizar o procedimento BLUPIS (BLUP Individual Simulado) desenvolvido por Resende e Barbosa (2005a), o qual é uma aproximação ao BLUP individual e indica quantos indivíduos devem ser selecionados em cada família e submetidos a teste clonal. Esse esquema é ideal para ser empregado em cana-de-açúcar e forrageiras (capim elefante, braquiária, Panicum), onde as parcelas experimentais são colhidas em sua totalidade.

            Estudos em genética quantitativa revelaram que a variância genética aditiva é mais importante que a variância genética não-aditiva para a maioria dos caracteres de importância agroindustrial da cana-de-açúcar. A principal exceção é para a produção de colmos, onde ambas variâncias parecem ser igualmente importantes (Hogarth, 1977; Hogarth et al., 1981 e Bastos et al., 2003).

            Os resultados obtidos por Hogarth et al. (1981), mostraram que a variância genética aditiva foi superior para brix, número, diâmetro e altura de colmos. Também relataram a significância da variância genética não-aditiva para todas as características, exceto para brix e número de colmos. Esses resultados concordam com os obtidos por Bastos et al. (2003) que verificou ser os efeitos gênicos aditivos tão importantes quanto os efeitos gênicos não-aditivos na expressão dos caracteres de importância econômica da cana-de-açúcar. Logo, para esses caracteres a capacidade específica de combinação (CEC) é tão importante quanto a capacidade geral de combinação.

            Considerando a importância de explorar tanto a capacidade geral quanto a específica de combinação é que se propõe aplicar ao melhoramento da cana-de-açúcar a seleção recorrente recíproca (SRR). A SRR pode ser aplicada em dois níveis: (i) populacional, envolvendo o cruzamento de vários indivíduos de uma população com indivíduos da população recíproca; (ii) individual (SRRI) envolvendo apenas um indivíduo de cada população, os quais produzem um excelente cruzamento, com alto valor genotípico total e também alta CEC. Tais indivíduos que originam o cruzamento superior são autofecundados produzindo duas populações S1 nas quais são selecionados indivíduos superiores para integrar um programa de seleção recorrente recíproca. A SRRI usando S1 é indicada para o melhoramento da cana-de-açúcar, pois visa explorar o máximo da CEC a partir da identificação prévia dos melhores cruzamentos por meio dos experimentos de avaliação de famílias. O emprego de indivíduos endógamos selecionados em famílias S1 visa eliminar a carga genética da população e explorar por mais um ciclo a combinação híbrida superior identificada previamente. É importante destacar que o processo é cíclico, logo novas famílias híbridas serão identificadas e exploradas pelo processo de SRRI-S1. O esquema geral de melhoramento via SRR populacional é apresentado na figura 8 e relatado a seguir. O esquema para SRRI-S1 é apresentado na figura 9. Detalhes da SRR e SRRI são apresentados por Resende & Barbosa (2005b).

 

Etapa (a) – Formação da População Base para obtenção das famílias de irmãos germanos interpopulacionais.

 

            Os genitores selecionados no banco de germoplasma da Estação de Cruzamentos da Serra do Ouro em Murici no Estado de Alagoas serão agrupados em duas populações. Essas populações serão selecionadas simultaneamente para produção de açúcar por hectare – TBH.

O critério para o agrupamento das populações levará em conta, prioritariamente, as estimativas de CEC obtida por meio dos próprios experimentos anuais de avaliação de famílias. Inicialmente as populações serão agrupadas conforme explicado por Barbosa (2001) empregando medidas de dissimilaridades genéticas obtidas pelo inverso do coeficiente de Malecot ou por dados moleculares, tendo em vista que ainda não se dispõem de um banco de dados de CEC. Cultivares nacionais e clones elites serão prioritariamente empregados nos cruzamentos.

            Para atender ao projeto de seleção de clones de maturação precoce, será constituída outra população especializada em produção de açúcar (caráter com herança predominantemente aditiva). Neste caso se aplicará a seleção recorrente intrapopulacional com ênfase para produção de açúcar (Brix).

 

Etapa (b) - Obtenção e avaliação das famílias de irmãos germanos interpopulacionais na SRR.

 

            Esta etapa está prevista para ser iniciada após a definição dos clones que comporão as três populações a serem definidas conforme explicado na etapa (a). De posse do agrupamento formado, cerca de 100 genitores de cada população seriam cruzados com clones da outra população. Cada clone de cada população deverá ser cruzado com 3 clones da população recíproca, por meio de 33 (100 / 3) fatoriais desconexos. Cada fatorial conterá 3 clones de uma população e 3 clones da outra população, os quais serão cruzados em nível interpopulacional produzindo 9 famílias de irmãos germanos por fatorial e 297 (9 x 33 grupos) no total. Tais cruzamentos permitirão a seleção de genitores (para recombinação na SRR) com base nas suas capacidades gerais de combinação com a população recíproca. Ao mesmo tempo propiciará a seleção de clones superiores nas famílias híbridas, os quais poderão ser, posteriormente, utilizados para plantios comerciais.

            Com base nos dados coletados em cana-planta e soca dos experimentos de famílias de irmãos germanos interpopulacionais, se selecionaria cerca de 20 a 30 clones os quais seriam prioritariamente empregados no próximo ano para cruzamentos intrapopulacionais visando a recombinação na SRR, isto é, obtenção das famílias de irmãos germanos. A seleção será feita com base nos valores genéticos aditivos interpopulacionais preditos por meio do Blup (Resende, 2002; Barbosa et al, 2004).

 

Etapa (c) - Cruzamentos intrapopulacionais (Recombinação do ciclo de SRR).

 

            Também os 20 a 30 clones de maior capacidade de combinação com a população recíproca seriam cruzados entre si por meio do esquema de cruzamento denominado MPE (cruzamentos múltiplos especiais) onde seriam obtidas sementes para prosseguir com a estratégia intrapopulacional e também para formar a população base de um novo ciclo de SRR. Neste caso, tais sementes seriam enviadas à UFV para implantar um campo de seleção com aproximadamente 10 mil indivíduos por população. Deste campo seriam obtidos cerca de 200 clones de cada população os quais seriam posteriormente submetidos aos testes clonais avaliando em cana-planta e soca a produção de açúcar por hectare e demais caracteres de interesse agronômico. Após a avaliação da primeira e segunda geração clonal os clones selecionados seriam incorporados ao banco de germoplasma da Estação de Cruzamentos da Serra do Ouro em Murici-AL para serem avaliados por meio dos cruzamentos interpopulacionais.

 

Etapa (d) – Obtenção e avaliação de famílias híbridas visando explorar a capacidade específica de combinação (Obtenção dos híbridos intermediários).

 

            Pelo esquema apresentado na Figura 8 está previsto a avaliação anual de cerca de 100 famílias de irmãos germanos. Tais famílias serão obtidas em esquema de cruzamento fatorial 10 x 10, utilizando os 10 genitores de cada população com maior capacidade geral de combinação (CGC) com a população recíproca. Assim, a CGC interpopulacional guiará a obtenção de excepcionais cruzamentos específicos. Esse esquema garantirá a obtenção de híbridos superiores na fase intermediária (paralela ou simultânea à recombinação descrita em (c) entre os híbridos do primeiro e do segundo ciclo de SRR. Tais híbridos foram denominados híbridos intermediários por Resende & Barbosa (2005b) e se constituem em potencial novos cultivares. Os híbridos intermediários são obtidos por mistura do padrão heterótico, isto é, são resultantes do cruzamento entre clones da população A x B. Portanto, para preservar o padrão heterótico previamente estabelecido, tais clones híbridos intermediários serão direcionados para um programa específico de SRIPS (Seleção recorrente intrapopulacional em população sintética).

 

Etapa (e) – Seleção de famílias híbridas excepcionais provenientes da etapa d, seleção de genitores dentro de S1 e cruzamento entre indivíduos S1 visando explorar o potencial máximo da CEC (SRRI-S1).

 

            Na etapa (d) cerca de dez famílias híbridas superiores serão selecionadas para a etapa (e) conforme esquema apresentado na figura 9. Os clones parentais utilizados nesses cruzamentos serão autofecundados para obtenção das famílias S1. Os clones S1 selecionados dentro dessas famílias serão introduzidos na Estação de Floração e Cruzamento da Serra do Ouro (UFAL). Os cruzamentos superiores seriam reproduzidos novamente utilizando-se os clones S1. Dependendo da coincidência de florescimento dos clones S1 pode-se não conseguir reproduzir as mesmas combinações híbridas superiores identificadas previamente na etapa (d). Portanto, pelo menos dez clones S1 superiores derivados de cada clone parental original deveriam ser utilizados em cruzamentos para produzir as 10 famílias híbridas de elevada CEC.

            Para a recombinação se utilizaria somente os 10 clones S1 de cada progenitor original da melhor família de irmãos germanos, portanto caracterizando a SRR individual. Entretanto isso não exclui a possibilidade de continuar gerando os clones S1 de outras nove famílias híbridas superiores por mais uma etapa conforme apresentado na figura 9.

            Com esse procedimento de SRRI-S1 procura-se eliminar a carga genética da cana-de-açúcar e explorar o máximo da CEC conforme sugerido por Ferreira et al. (2005). Os autores mostraram que a depressão por endogamia em cana-de-açúcar é expressiva para toneladas de brix por hectare, tonelada de colmos por hectare, comprimento, diâmetro e peso médio de colmos. A quantidade de sólidos solúveis (Brix) e número de colmos não apresentaram depressão por endogamia. Os autores selecionaram clones endógamos produtivos para serem utilizados em programa de SRRI-S1.

 

 

 

6. Referências Bibliográficas

 

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Figura 8. Fluxograma das etapas de seleção do PMGCA/UFV.

                (MPE: etapa de recombinação via cruzamentos múltiplos especiais)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


Figura 9. Esquema de seleção recorrente recíproca individual com clones S1