Universidade Federal de Viçosa

Programa de Pós Graduação em Genética e Melhoramento

                              

 

MESA REDONDA

GENES DE EFEITO MAIOR DETECTADOS EM ANIMAIS DOMÉSTICOS

 

Prelecionistas: Ana Luisa Sousa Azevedo

                        Ana Paula Gomes Pinto

                        Cristina Moreira Bonafé

                        Katiene Régia Silva Sousa                      

Moderadora: Simone E. Facioni Guimarães.

 

O desenvolvimento sócio-econômico provocou aumento na demanda de proteína de origem animal, resultando em nova orientação dos objetivos gerais, passando-se da simples criação de animais domésticos para a geração de produtos de origem animal específicos, dentro deste contexto, o melhoramento animal, com base no mérito genético, obtido a partir de dados fenotípicos e informações de pedigree, tem alcançado resultados satisfatórios. Com a incorporação da genética molecular, ocorre um aumento na precisão da seleção para estas características e o processo de seleção torna-se mais rápido e eficiente.

A seguir, serão apresentados alguns exemplos de mutações que resultam em profundas alterações fenotípicas em animais domésticos e que podem ser usadas no incremento da produção de carne em diferentes espécies.

As primeiras evidências da existência de um gene causando a hipertrofia muscular em ovinos foram descritas no início dos anos 90. Os indivíduos com o fenótipo são extremamente musculosos, similares aos bovinos com musculatura dupla em aparência. O nome callipyge (do grego: calli = bonito e pyge = nádegas) e o símbolo clpg foram propostos para esse gene nos ovinos (Cockett et al., 1994).

Cockett et al. (1994) e outro grupo de pesquisadores (Freking et al., 1998), propuseram que hipertrofia muscular seria resultado de uma mutação em um loco único, na região subcentromérica do cromossomo 18 dos ovinos e que é expresso preferencialmente na musculatura esquelética. A mutação encontra-se em uma região de alta homologia entre ratos, bovinos, ovinos e humanos. O fenótipo callipyge é caracterizado por um padrão de herança não-Mendeliano, referido como sobredominância polar, que parece ser beneficiado por imprinting paternal. Dessa forma, somente os indivíduos heterozigotos, que tenham herdado o alelo clpg do pai, expressam o fenótipo. Os descendentes que receberam o alelo mutante da mãe serão normais em aparência, independentemente do alelo recebido do pai.

 O entendimento do mecanismo pelo qual a mutação clpg altera esses fenótipos tem contribuído para o conhecimento básico relacionado a diferentes mecanismos de regulação gênica, bem como dos fatores envolvendo o crescimento muscular, não apenas em ovinos, mas também em outras espécies. Os efeitos no desenvolvimento muscular, composição da carcaça, forma e qualidade da carne são marcantes na síndrome callipyge.

Na espécie suína, um QTL com expressão paterna afetando crescimento muscular, deposição de gordura e tamanho de coração foi identificado na extremidade distal do cromossomo 2p. Este foi primeiramente identificado em intercruzamentos suínos selvagens europeus X Large White e Pietrain X Large White. Os alelos da raça Large White, no primeiro cruzamento, e da raça Pietrain, no segundo cruzamento, aumentaram a massa muscular e reduziram a espessura de toucinho. O QTL explicou 15–30% da variação fenotípica da massa muscular e 10–20% da variação da espessura de toucinho (Nezer et al., 1999).

            A região SSC 2p1.7 mostrou conservada sintenia com o cromossomo humano (HSA) 11p15, o qual é muito estudado pela presença de um cluster de genes que apresentam imprinting. Entre eles, o gene do Fator de Crescimento Semelhante à Insulina-II (IGF2), que possui expressão paterna, foi identificado como o principal gene candidato para o QTL, devido ao seu envolvimento no crescimento e diferenciação muscular (Florini et al., 1995). A expressão paterna do IGF2 suíno foi confirmada por Nezer et al (1999).

            Van Laere et al. (2003) demonstraram que o QTL localizado no SSC2p é causado por uma substituição no íntron 3 do gene IGF2 (IGF2-intron3-G3072A). Segundo esses autores, a mutação ocorre em uma ilha CpG conservada que é hipometilada na musculatura esquelética. In vitro, esta mutação anula a interação com um fator nuclear, provavelmente um repressor, assim os suínos que herdam tal mutação dos seus pais apresentam o aumento da expressão do mRNA para IGF2 na musculatura.    

            A genotipagem de populações de suínos para IGF2 poderá ser uma parte importante dos programas de melhoramento no futuro, tendo em vista a herança não-Mendeliana da mutação IGF-2- intron3-G3072A. Nesse sentido, Carrodeguas et al. (2005) descreveram uma rápida análise baseada na técnica de PCR (RT-PCR) para detectar a mutação do IGF2.

O fenótipo da musculatura dupla teve seus primeiros relatos em 1807. A característica principal dos animais portadores é o aumento substancial na musculatura, causado pela hipertrofia e hiperplasia das fibras musculares. Outras características também estão associadas a esse fenótipo, como dificuldade no parto, menor tolerância ao estresse, atraso na maturação sexual entre outros. Essa característica foi muito estudada, principalmente, devido ao grande impacto econômico.

Até o final dos anos 80 a teoria mais aceita para o fenótipo da musculatura dupla era um padrão recessivo autossômico e único, porém não era conhecida a localização do gene responsável. Em 1995 Charlier et aI. localizou o loco mh (hipertrofia muscular) no cromossomo 2 de bovinos, dando suporte para a idéia de que a característica era controlada por um gene de efeito maior, autossômico, responsável pelo fenótipo.

            No ano de 1997 ocorreram as maiores descobertas com relação ao fenótipo da musculatura dupla, onde foi descoberto e caracterizado o gene da miostatina. Este gene foi localizado primeiramente em camundongos knock-out que apresentavam o mesmo fenótipo já identificado previamente em bovinos (McPherron et aI., 1997). Logo após a publicação do trabalho caracterizando o gene da miostatina em camundongos, pesquisadores independentes comprovaram que a nova proteína identificada mapeava no loco mh presente no cromossomo 2 de bovinos. Estes trabalhos mostraram que o fenótipo da musculatura dupla realmente é decorrente de mutações no gene da miostatina nas raças Belgian Blue e Austuriana.

            O seqüenciamento do gene da miostatina em outras raças que apresentavam o fenótipo mutante mostrou que várias mutações eram capazes de induzir o fenótipo musculatura dupla. Além da deleção de 11pb, encontrada primeiramente em Belgian Blue, outros polimorfismos capazes de interromper a função da miostatina foram identificados.

            O isolamento do gene e a ligação definitiva da miostatina mutante com o fenótipo da musculatura dupla provocou um efeito muito maior do que simplesmente caracterizar a causa de hiperplasia/hipertrofia muscular celular. Ela permitiu aos pesquisadores deixar de lado seleções subjetivas de quase dois séculos e iniciar estudos precisos com relação a este caráter.

 Pelos achados acima descritos em três diferentes espécies, pode ser demonstrado que, ao contrário de observações físicas usadas, é possível genotipar diretamente, diferenciando os indivíduos por meio de seus genótipos. Esse conhecimento é de grande importância à medida que permite aos pesquisadores mudar de programas de melhoramento que envolviam seleção simples, podendo induzir mudanças funcionais em diversas raças e espécies. Foi demonstrado que pequenas mudanças na estrutura protéica de genes principais podem acarretar grandes alterações no fenótipo.

 

Referencias:

CARRODEGUAS, J. A., BURGOS, C., MORENO, C., SÁNCHEZ, A. C., VENTANAS, S., TARRAFETA, L., BARCELONA , J. A., LÓPEZ, M. O., ORIA, R., LÓPEZ-BUESA, P. (2005) Incidence in diverse pig populations of an IGF2 mutation with potential influence on meat quality and quantity: An assay based on real time PCR (RT-PCR). Meat Science 71, 577–582.

CHARLIER C, COPPIETERS W, FARNIR F, GROBET L, LEROY PL, MICHAUX C, MNI M, SCHWERS A, VANMANSHOVEN P, HANSET R, GEORGES M (1995) The mh causing double-muscling in cattle maps to bovine Chromosome 2. Mamm Genome 6, 788–792

COCKETT, N.E., S.P JACKSON, T.L. SHAY, D. NIELSEN, S.S. MOORE, M.R.STEELE, W. BARENDSE, R.D. GREEN, M. GEORGE. (1994). Chromosomal localization of the callipyge gene in sheep (Ovis aries) using bovine DNA markers. Proc. Natl. Acad. Sci USA, 91:3019

FLORINI, J. R., EWTON, D. Z., ME WADE, F. J. (1995) IGFs, muscle growth, and myogenesis. Diabetes Rev 3, 73-92.

FREKING, B.A., J.W. KEELE, M.K. NIELSEN, K.A. LEYMASTER. (1998).Evaluation of the ovine callipyge locus: II – Genotypic effects ongrowth, slaughter and carcass traits. J. Anim. Sci. 76:2549

MCPHERRON A.C., LAWLER A.M. & LEE S.J. (1997) Regulation of skeletal muscle mass in mice by a new TGF-beta superfamily member. Nature 387, 83–90.

NEZER, C., MOREAU, L., BROUWERS., B., DETILLEUX, J., HANSET, J., KARIM, L., KVASZ, A., LEROY, P.& GEORGES, M. An imprinted QTL with major effect on muscle mass and fat deposition maps to the IGF2 locus in pigs. Nature Genetics (1999), vol. 21, pp. 155-156.

VAN LAERE, A. S., NGUYEN, M., BRAUNSCHWEIG, M., NEZER, C., COLLETTE, C., MOREAU, L., ARCHIBALD, A. L., HALEY, C. S., BUYS, N., TALLY, M., ANDERSSON, G., GEORGES, M. & ANDERSSON, L. A regulatory mutation in IGF2 causes a major QTL effect on muscle growth in the pig. Nature (2003), vol. 425, pp. 832-834.