Universidade Federal de Viçosa

Programa de Pós Graduação em Genética e Melhoramento

Seminário de Tese

                               

 

Doutoranda; Ana Aparecida Bandini Rossi

Orientador: Luiz Orlando de Oliveira

 

Filogeografia, diversidade genética e diferenciação geográfica em Psychotria ipecacuanha, uma espécie medicinal com distribuição geográfica disjunta nas Florestas Atlântica e Amazônica do Brasil

 

Psychotria ipecacuanha (Brot.) Stokes (Rubiaceae) ou poaia, é mundialmente reconhecida como espécie medicinal. Suas propriedades farmacológicas provêm de alcalóides presentes em suas raízes. Os indivíduos de poaia se desenvolvem em agregados perenes, denominados reboleiras, em áreas úmidas e sombrias de florestas tropicais. É uma espécie distílica que apresenta certo grau de compatibilidade intraforma, embora polinizações legítima resultem em maior frutificação. A espécie apresenta distribuição disjunta, ocorrendo em três grandes áreas dos domínios da Amazônia e Mata Atlântica: a) florestas da América Central e norte da América do Sul; b) sul da Floresta Amazônica brasileira e, c) na Mata Atlântica. Atualmente, esta é uma espécie ameaçada como conseqüência do intenso extrativismo sofrido no passado e no presente pela fragmentação de seus habitats. A história demográfica e os mecanismos de dispersão da espécie influenciam o partilhamento da diversidade genética entre populações vegetais através das regiões geográficas. A filogeografia é o estudo da história espacial e temporal de uma espécie e pode fornecer valiosas percepções de como as populações foram moldadas através de processos históricos e contemporâneos. Para determinar a estrutura populacional e analisar a diversidade genética, examinamos a variação da região cloroplastídica trnT-trnL e os marcadores moleculares inter-simple sequence repeat (ISSR) em populações naturais de P. ipecacuanha, das florestas Atlântica e Amazônica. Encontramos uma maior diversidade de haplótipos (11 de 12) nas populações da Mata Atlântica em relação às populações da Amazônia, onde somente um haplótipo foi encontrado. Nenhum haplótipo foi compartilhado entre as florestas (monofilia recíproca). Uma única rede de haplótipos foi obtida, contendo dois ramos conectados por seis haplótipos intermediários ausentes. Cada ramo da rede corresponde a uma das florestas, e, portanto a distribuição dos haplótipos está claramente relacionada à geografia. A hipótese nula de que não há associação entre a estrutura da rede e distribuição geográfica dos haplótipos foi rejeitada. A configuração da rede indica barreiras de longo tempo para o fluxo gênico entre as florestas Amazônica e Atlântica. Os marcadores de ISSR revelaram uma maior diversidade genética nas populações da floresta Atlântica em relação às populações da Amazônia. Da variância molecular total, 65.3 % foram atribuídas para divergências regionais entre florestas, 13.3 % para diferenças populacionais dentro de cada floresta e 21.4 % para diferenças individuais dentro de populações. O isolamento geográfico das duas florestas estudadas possivelmente tenha ocorrido a um tempo longo de tal forma a permitir a diferenciação encontrada entre os dois grupos. Grande variação genética entre populações e pequena variação dentro de populações são características favorecidas por fluxo gênico limitado e/ou ausência de fluxo gênico entre populações, consequentemente, aumentando a divergência genética entre populações por deriva e seleção. A análise da variância molecular (AMOVA) estimou ФST = 0.341 para as populações da Floresta Atlântica e ФST = 0.432 para as populações da Floresta Amazônica, indicando que 34.1 % e 43.2 % da variabilidade genética está distribuída entre populações dentro de cada região. O resultado da estimativa de qB pelo método Bayesiano dentro dos das florestas Atlântica e Amazônica (qB = 0.348 e 0.404, respectivamente) foi consistente com os resultados da estrutura genética da AMOVA, demonstrando que a maior diferenciação genética ocorreu dentro de populações do que entre populações. Tanto na floresta Atlântica quanto na floresta Amazônica a maior variação genética foi particionada dentro de populações do que entre populações. Em geral, espécies autógamas possuem baixa diversidade genética dentro de populações e alta diferenciação genética entre populações comparadas com espécies alógamas. Portanto, os dados de estrutura genética de populações em P. ipecacuanha sugerem que a espécie seja de natureza alógama. Estes resultados são consistentes com os documentados em estudo de populações de P. ipecacuanha da floresta Atlântica, onde as maiores porcentagens de frutificação foram registradas em polinizações legítimas. As análises de citometria de fluxo e técnicas citogenéticas indicaram respectivamente que o conteúdo de DNA nuclear de P. ipecacuanha é de 2.04 pg (2C = 2.04pg de DNA) e que seu cariótipo contem 11 pares de cromossomos (2n = 22). Os dados gerados nesta pesquisas podem ser utilizados para definir unidades de conservação e prioridades para o manejo de recursos genéticos indicando áreas e populações de maior ou menor importância para a preservação de Psychotria ipecacuanha, permitindo assim o desenvolvimento de estratégias efetivas de conservação.

 

Referencias Bibliográficas

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Viçosa, 18 de janeiro de 2007.