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Vaca “convencional” que come transgênico não se torna uma   vaca transgênica.

Por Reginaldo Minaré

 

No dia 08 de dezembro de 2005, foi realizada, na Câmara dos Deputados em Brasília, Audiência Pública para debater possível irregularidade em rótulo de óleo de soja comestível, produzido a partir de soja geneticamente modificada.

A audiência se iniciou com a apresentação de um vídeo pela representante do Greenpeace, onde denunciou que óleo comestível feito a partir de soja geneticamente modificada ou transgênica estaria sendo vendido aos consumidores sem a rotulação adequada.

       Ao longo da audiência, para quem conhece a norma que regulamenta a rotulagem de produtos geneticamente modificados e seus derivados, ficou claro que o Greenpeace defendeu uma interpretação inadequada da mesma.

       A Lei nº 11.105/05, que regulamenta as atividades com organismos geneticamente modificados – OGMS e seus derivados, exige, artigo 40, que os alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados deverão conter informação nesse sentido em seus rótulos, conforme regulamento.

O Decreto nº 4.680/03, que regulamenta o tema, exige em seu artigo 2º que na comercialização de alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal que contenham ou sejam produzidos a partir de OGMs, com presença acima do limite de 1% do produto, o consumidor deverá ser informado da natureza transgênica do produto.

Complementando e melhor detalhando a aplicação do decreto acima mencionado, a Instrução Normativa Interministerial nº 1, de abril de 2004, assinada pelos Ministros da Casa Civil, Justiça, Saúde e Agricultura, estabeleceu que a verificação do limite de 1% será efetuada com base na quantificação do Ácido Desoxirribonucléico - ADN inserido ou da proteína resultante da modificação genética ou, ainda, de outras substâncias oriundas da modificação genética, por métodos de amostragem e de análise reconhecidos pelos órgãos competentes.

       Logo após a apresentação do Greenpeace, a representante do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor - DPDC do Ministério da Justiça, informou que foi realizada fiscalização por amostragem e que várias marcas de óleo comestível de soja foram analisadas, inclusive aquelas objeto de denúncia por parte do Greenpeace, sendo que nenhum teste deu positivo para produto geneticamente modificado. Com a exposição da representante do DPDC, ficou evidente que o Ministério da Justiça está cumprindo de forma adequada a Instrução Normativa Conjunta nº 1. Ficou evidente, também, que a interpretação defendida pelo Greenpeace não encontra amparo na legislação nem é a interpretação defendida pelo Ministério da Justiça.

       Dando maior robustez ao que foi apresentado pelo DPDC, a Associação Brasileira das Indústrias da Alimentação – ABIA apresentou trabalho detalhando o procedimento de produção do óleo de soja, onde afirmou que no produto final não é encontrado o ADN inserido ou da proteína resultante da modificação genética ou, ainda, qualquer outra substância oriunda da modificação genética.

Assim, considerando o que foi apresentado na Audiência Pública, resta claro que não há que falar em exigência de rotulagem especial para o óleo de soja produzido a partir de soja geneticamente modificada.

Entretanto, pelo fato de ter focalizado apenas a rotulagem de óleo de soja produzido com soja transgênica, o DPDC perdeu uma excelente oportunidade para informar ao público sua interpretação a respeito da rotulagem de alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo ingredientes transgênicos. Principalmente diante do fato de que o representante do Ministério do Meio Ambiente, na mesma Audiência Pública e falando em nome do Governo, além de defender a posição do Greenpeace afirmou que deve ser exigida a rotulagem especial dos alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo ingredientes transgênicos.

O artigo 3o  do Decreto 4.680/03, que foi elaborado antes da Lei 11.105/05, exige que os alimentos e ingredientes produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo ingredientes transgênicos deverão trazer em seus rótulos, a seguinte expressão: "(nome do animal) alimentado com ração contendo ingrediente transgênico" ou "(nome do ingrediente) produzido a partir de animal alimentado com ração contendo ingrediente transgênico".

Sabido é que, na hierarquia das normas, um decreto encontra-se em patamar inferior ao de uma lei ordinária. Assim, considerando que um animal que foi alimentado com OGM ou derivado de OGM não se metamorfoseia em OGM ou derivado, fica evidente que o artigo 3º do decreto em análise, ao exigir rotulagem especial para alimentos e ingredientes que foram produzidos a partir de animais alimentados com ração contendo ingredientes transgênicos, afronta o disposto pela Lei 11.105 e deve ser considerado ilegal.

 

 

Brasília, 12 de dezembro de 2005.

 

Reginaldo Minaré
Advogado e Diretor Jurídico da ANBio
rminare@uol.com.br

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