Equipes de
cinco estados identificam seqüências de DNA que podem tornar o
eucalipto mais resistente à seca e às doenças
Ricardo Zorzetto
Nos próximos
meses devem brotar no laboratório do agrônomo Ivan de Godoy
Maia, em Botucatu, interior de São Paulo, os primeiros pés de
tabaco com uma característica especial: genes que não são
originalmente dessa planta de folhas verde-claras grandes,
largas e macias, mas do eucalipto, árvore de até 35 metros de
altura e folhas duras em forma de lança. Desde o final de 2005
Maia trabalha na preparação de seis genes dessa árvore
aparentemente ativos em um único tecido vegetal – a folha, o
caule, a raiz, a flor ou o fruto – para implantá-los no tabaco.
A razão para produzir pés de tabaco transgênico é que essa
planta cresce e atinge a fase reprodutiva em cerca de seis
meses, ao menos 12 vezes mais rapidamente que o eucalipto.
Assim, é possível confirmar em pouco tempo em qual tecido
vegetal cada um desses genes atua e sua provável função.
Controlar esse ou outros genes é o primeiro passo para criar
árvores de eucalipto mais resistentes à seca e às pragas ou
capazes de produzir madeira de melhor qualidade para a extração
de celulose e a produção de papel.
Esses experimentos com tabaco ou com outra planta-modelo, a
Arabidopsis thaliana, são o que os geneticistas chamam de
genoma funcional – neste caso, é a terceira etapa do projeto
Genoma Eucalipto, o primeiro genoma de árvore seqüenciado no
Brasil. Espera-se que em alguns anos os resultados obtidos em
laboratório formem plantações mais produtivas de eucalipto.
Natural da Oceania, essa árvore foi introduzida no país no
início do século 20 por Edmundo Navarro de Andrade para produzir
dormentes para as ferrovias que avançavam pelo interior
paulista. O Brasil possui a maior área plantada no mundo
destinada a fins comerciais. São 3,5 milhões de hectares que
garantem ao país a posição de 7º produtor mundial de celulose e
11º de papel, atividades responsáveis por 4% do Produto Interno
Bruto, ou R$ 80 bilhões.
A busca de variedades de eucalipto geneticamente modificadas é a
parte final de um projeto de seqüenciamento de genes que começou
em 2001 e, com um perfil pouco comum no país, aproximou
universidades e empresas. Na fase anterior, chamada data
mining ou mineração de dados, encerrada no fim de 2005,
foram identificados genes que podem contribuir para o
aprimoramento dessa árvore. Com o auxílio de programas de
computador equipes de 20 laboratórios do Rio Grande do Norte,
Alagoas, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo vasculharam
123.889 segmentos de genes. Esse total corresponde a quase 15
mil genes que haviam sido seqüenciados pelo consórcio Genoma
Eucalipto (Forests), formado pela FAPESP e por quatro empresas
do setor de madeira, papel e celulose – Duratex, Ripasa, Suzano
e Votorantim –, com a colaboração das equipes do projeto Genomas
Agronômicos e Ambientais (AEG).
No data mining os pesquisadores compararam os genes de
cinco espécies de eucalipto comuns no país – Eucalyptus
grandis, E. urophylla, E. camaldulensis, E.
saligna e E. globulus – com genes já conhecidos de
plantas como o tabaco, o álamo e a Arabidopsis. E descobriram
quase 200 genes produtores de proteínas do sistema de defesa
contra patógenos e 15 outros responsáveis por um complexo de
proteínas que silencia outros genes. Outros resultados são
relatados nos 19 artigos do suplemento da revista Genetics and
Molecular Biology de novembro de 2005. “Esses e outros genes
deverão servir como indicadores de características que se deseja
reproduzir nas plantas”, diz o engenheiro florestal Luis Eduardo
Aranha Camargo, da Escola Superior de Agricultura Luiz de
Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP), coordenador
da segunda e da terceira fases do Genoma Eucalipto.
Nos últimos 40 anos técnicas de melhoramento genético
tradicional como as usadas no século 19 pelo monge e botânico
austríaco Gregor Mendel, um dos fundadores da genética,
possibilitaram um aumento de até quatro vezes na produtividade
dos eucaliptais brasileiros. A produção de madeira por hectare
de floresta subiu de 12 metros cúbicos por ano na década de 1960
para até 50 metros cúbicos. Essa produção anual corresponde a
uma sala de 5 metros de comprimento por 4 de largura cheia até o
teto com a madeira obtida pela derrubada das árvores plantadas
em uma área equivalente a um quarteirão.
Mas nem sempre o simples cruzamento de variedades distintas
surte o efeito desejado. Por esse motivo, o que se tenta ao
produzir eucaliptos geneticamente modificados é alterar
características que não são facilmente manipuladas por meio do
melhoramento genético tradicional. Um exemplo é o controle da
concentração da lignina, polímero natural que funciona como um
cimento entre as células e confere dureza à madeira.
O sonho de todo produtor de papel e celulose é colher plantas
com um teor de lignina inferior ao normal, de 20% a 30% da massa
da árvore. Níveis mais baixos de lignina simplificariam o
processamento da madeira para obter celulose, açúcar formado por
milhares de moléculas de um açúcar mais simples, a glicose. Já
para a indústria de móveis ou para a indústria siderúrgica
interessam as árvores com teores de lignina mais elevados.
O controle da quantidade de lignina dependerá da habilidade dos
pesquisadores para controlar um ou mais genes identificados pelo
biólogo Ricardo Harakava, do Instituto Biológico de São Paulo.
Harakava encontrou 13 genes que regulam a produção de lignina,
conhecidos anteriormente apenas em plantas herbáceas, como a
Arabidopsis thaliana, e no álamo, árvore de até 35 metros de
altura, principal fonte de celulose nos países do hemisfério
Norte.
A comparação do nível de atividade desses genes nas diferentes
espécies de eucalipto – são cerca de 700 – pode revelar um
padrão de funcionamento típico das árvores com baixa produção de
lignina, funcionando assim como marcadores biológicos dessa
característica. “Com o auxílio de marcadores biológicos é
possível fazer a seleção precoce de plantas com baixo teor de
lignina”, exemplifica Harakava. Outra possibilidade: reduzir a
atividade desses genes por meio de técnicas de transgenia, ainda
em fase experimental no caso do eucalipto.
Antibióticos naturais - Também se pretende desenvolver
eucaliptos mais resistentes a doenças. Nas regiões mais quentes
e úmidas do Brasil, uma elevada variedade de patógenos ataca
especialmente as plantas jovens e impedem seu crescimento.
Espécies como a Eucaliyptus urophylla, bastante usada por
crescer rapidamente e atingir a idade reprodutiva em apenas
cinco anos, são muito suscetíveis a fungos que digerem a
madeira, danificam as folhas ou causam o apodrecimento das
raízes. Analisando os dados do Genoma Eucalipto, a equipe da
geneticista Ana Maria Benko-Iseppon, da Universidade Federal de
Pernambuco (UFPE), localizou 210 genes capazes de ajudar a
resolver esses problemas. “É um número bastante elevado, uma vez
que o material genético foi extraído de plantas saudáveis”, diz
Ana Maria. “Esse resultado sugere que pode haver um número ainda
maior de genes de resistência no eucalipto.”
Esses 210 genes integram as cinco classes de genes de
resistência (genes R) conhecidas em plantas e talvez haja até
mesmo uma nova classe, a sexta, que ainda deve ser confirmada
por meio de experimentos. Associados a diferentes mecanismos do
sistema de defesa do eucalipto, desencadeiam sinais químicos que
induzem um suicídio celular coletivo nos tecidos infectados ou
estimulam a produção de compostos que atuam como antibióticos
naturais e eliminam fungos, bactérias, vírus ou vermes.
Já o trabalho do geneticista Márcio Alves-Ferreira, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), pode auxiliar no
desenvolvimento de variedades de eucalipto menos sensíveis à
seca – a falta de chuva por mais de um mês é uma ameaça às
plantações da região noroeste de São Paulo. A equipe do Rio
encontrou 50 genes reguladores da família homeobox, que ligam ou
desligam outros genes relacionados à tolerância à falta d’água.
“Se os experimentos derem certo, poderemos produzir variedades
resistentes à seca usando genes do próprio eucalipto, e não de
outras espécies”, diz Alves-Ferreira. Seu trabalho com os genes
MADS-box, responsáveis pelo desenvolvimento da flor, pode
impedir a produção de grãos de pólen e a contaminação de plantas
normais com o material genético de variedades transgênicas.
Interruptor genético - O grupo do biólogo Marcelo Menossi,
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), identificou oito
genes muito ativos em quase todos os tecidos do eucalipto. São
genes como o que contém a receita da catalase, enzima
antioxidante que protege as células de danos causados por
radicais livres, e o responsável pela produção da proteína hsp (heat
shock protein), que evita danos celulares provocados pelo
aumento da temperatura do ambiente. Outros 13 genes
distinguem-se dos demais por funcionarem em um único tecido.
Para as pesquisas avançarem, é essencial conhecer o tecido em
que os genes atuam. Cada gene contém um trecho inicial chamado
região promotora ou reguladora que atua como um interruptor
genético, controlando onde o gene vai funcionar ou se desligar.
Desse modo, um gene que coordena a produção das pétalas das
flores durante o período reprodutivo vai se manifestar somente
nos tecidos florais – e permanecerá inativo na raiz e no caule –
porque sua região promotora torna-se ativa somente nas células
da flor.
Caso se deseje proteger o eucalipto de insetos que atacam as
folhas, é possível associar um gene que produz uma toxina contra
o inseto a uma região promotora de um gene ativo apenas em
folhas. Já se a meta for gerar uma variedade resistente a fungos
que atacam todos os tecidos, será necessário associar um gene
contra o fungo a um promotor ativo em todos os órgãos da planta.
Foi justamente a região promotora de seis desses genes – dois
específicos da folha, um da raiz, um de botão floral e outro de
botão floral e fruto, além de um gene ativo em todos os tecidos
– que Ivan de Godoy Maia obteve em seu laboratório na
Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu, e prepara
agora para inserir em plantas de tabaco. Se der certo, os
pesquisadores terão à disposição seqüências promotoras
identificadas no Brasil e não precisarão pagar royalties
pelo uso de trechos promotores já patenteados no exterior.
Fonte:
:: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de SP ::