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Resta-nos responder ainda uma última questão, isto é: Neste momento, realmente, o Esperanto aparece como único candidato a língua internacional; como, porém, um congresso de representantes de diversos países para a escolha de uma língua internacional provavelmente não se efetuará em breve, quiçá daqui a dez ou talvez a cem anos, pode muito bem ser que apareçam muitas novas línguas artificiais, que estejam acima do Esperanto, e uma delas, portanto, deverá ser escolhida pelo congresso; ou que talvez o próprio congresso organize uma comissão competente, que se incumbirá da criação de uma nova língua.

A isto podemos responder o seguinte: A possibilidade de aparecer uma nova língua é muito duvidosa, e encarregar uma comissão de criar uma nova língua seria tão insensato como, por exemplo, encarregar uma comissão de escrever um bom poema. Porque a criação de uma língua completa, boa em todos os sentidos e capaz de viver, e que a muitos parece tão fácil como um brinquedo, é cousa muito, muitíssimo difícil. Por um lado reclama talento especial e inspiração, e por outro lado grande energia, paciência e um amor ardente, uma dedicação infinita ao empreendimento. A muitas pessoas nossas palavras causarão surpresa, pois lhes parece que só se precisa decidir que mesa, por exemplo, se diga "bam", cadeira "bim", etc., etc. - e pronta uma língua. A criação de uma língua completa pode ser comparada com o tocar piano ou com atravessar uma densa floresta. A alguém que não conheça a essência da música, parece que nada é mais fácil do que tocar piano: basta bater em uma tecla e obtém-se um som, bate-se em outra e obtém-se outro som, bate-se durante uma hora inteira em diversas teclas e obtém-se uma composição completa... Parece que nada é mais fácil. Quando, porém, o indivíduo começa a executar a improvisada composição, todos fogem com gargalhadas e ele mesmo, ouvindo os sons selvagens que obtém, começa a compreender que a cousa não é tão simples, que a música não consiste no simples bater de teclas; e o herói, que com tanta presunção se assentara ao piano, gabando-se de que tocaria melhor do que todos, fugirá envergonhado e não se mostrará mais em público. A quem nunca esteve em uma grande floresta parece a cousa mais simples deste mundo atravessar a mata de um ao outro extremo: "que segredo há nisso? qualquer criança pode fazê-lo: basta entrar, ir sempre direito em frente, e depois de algumas horas ou mesmo de alguns dias a gente se encontrará do outro lado da floresta." Mas o nosso homem apenas entra um pouco na profundeza da mata e logo se desorienta de tal sorte que, ou não consegue sair, ou, depois de vagar por muito tempo, vai sair em lugar bem diverso do que pretendia.

Assim sucede também com uma língua artificial: empreender a criação de uma língua, dar-lhe um nome antecipado, trombetear em torno dela para o mundo que lê, - tudo isso é muito fácil, - mas chegar com felicidade ao fim do trabalho absolutamente não é fácil. Com pleno convencimento muitos hão empreendido esse trabalho; mas apenas se aprofundam um pouco na obra, ou obtêm uma coleção desordenada de sons, sem plano algum e sem nenhum valor, ou esbarram em tantos obstáculos, em tantas exigências contrárias umas às outras que perdem toda a paciência, lançam fora o trabalho e desaparecem do público.

Que a criação de uma língua que sirva e possa viver não é cousa tão fácil como parece a muitos, pode verificar-se, por exemplo, pelo fato seguinte: sabe-se que até o aparecimento do Volapük e do Esperanto houve uma multidão de diversas tentativas de criar uma língua artificial; não poucas tentativas surgiram também depois do aparecimento destas duas línguas; uma série enorme de nomes dessas tentativas e de seus autores encontra-se em qualquer história da idéia duma língua internacional; tais tentativas foram feitas tanto por indivíduos isolados como por associações inteiras; consumiram quantidade imensa de trabalho e algumas também enormes capitais; - e, entretanto, de todo esse número enorme apenas duas, somente duas chegaram a termo, encontraram adeptos e entraram em uso prático! Mas também, apareceram estas duas ocasionalmente, porque um dos autores não sabia dos trabalhos do outro. O autor do Esperanto, que dedicou toda a vida à sua idéia, começando desde a infância, ele, que cresceu com essa idéia e que por ela tudo sacrificou, confessa que sua energia se manteve somente pela consciência de estar criando uma cousa que nunca existira, e que as dificuldades encontradas durante todo o seu trabalho foram tão grandes e exigiram tanta paciência, que, se o Volapük houvesse aparecido 5 ou 6 anos mais cedo, antes de estar o Esperanto inteiramente pronto, ele (o autor do Esperanto) certamente teria perdido a paciência e desistido de continuar a feitura de sua língua, embora plenamente convicto de que o Esperanto seria muitíssimo superior ao Volapük.

De quanto fica dito acima, os senhores compreenderão, que hoje, quando todo o mundo sabe que já existem duas línguas artificiais completas, é muito duvidoso que alguém ainda empreenda desde o início semelhante trabalho de Sísifo e tenha suficiente energia para conduzi-lo a feliz termo, tanto mais que não o animará a esperança de dar cousa melhor do que o que já existe. Quão pouca esperança teria tal empreendedor, vê-se bem dos muitos projetos e tentativas que apareceram depois do Esperanto. Apesar de terem os autores à sua disposição um modelo pronto e acabado para lhes servir de norma, não só nenhuma dessas tentativas saiu do domínio de simples projetos, mas por eles mesmos se vê claramente que, se os autores tivessem paciência e capacidade de levá-los ao final, tais obras sairiam, não melhores, porém, ao contrário, muito inferiores ao Esperanto. Enquanto o Esperanto satisfaz a todas as exigências de uma língua internacional ( extraordinária facilidade, precisão, riqueza, naturalidade, vitalidade, flexibilidade, sonoridade, etc.), cada um dos novos projetos se esforça por melhorar um lado da língua, sacrificando involuntariamente para isso todas as outras qualidades. Assim, por exemplo, muitos dos autores dos novos projetos empregam a seguinte astúcia: sabendo que o público classificará cada projeto conforme o juízo que dos mesmos fizeram os lingüistas eruditos, cogitam não de que seu projeto sirva efetivamente para algo na prática, mas somente que à primeira vista cause boa impressão aos lingüistas. Para alcançar essa finalidade tomam vocábulos das línguas naturais mais importantes, quase sem alteração alguma. Ao receber uma frase escrita na língua projetada, os lingüistas notam que a compreendem à primeira vista muito mais facilmente do que o Esperanto, - e os autores dos projetos triunfalmente anunciam que a sua "língua" (se algum dia a terminarem) é melhor do que o Esperanto. Todo homem prudente, porém, logo se convence de que isso é uma simples ilusão; ao insignificante princípio, apresentado por amostra e chamariz, são sacrificados os princípios mais importantes (como, por exemplo, a facilidade para as pessoas menos instruídas, a flexibilidade, a riqueza, a precisão, etc.), e que semelhante língua (mesmo que um dia pudesse ser concluída) finalmente não daria nada! Pois que, se o maior mérito duma língua internacional tivesse de consistir em ser compreendida com a máxima facilidade pelos lingüistas eruditos, de fato poderíamos tomar qualquer língua, o latim por exemplo, sem alteração alguma, e os eruditos o compreenderiam logo à primeira vista! O princípio de alterar o mínimo possível as palavras naturais não só era bem conhecido do autor do Esperanto, como foi precisamente deste que os autores dos novos projetos aproveitaram o dito princípio; mas, enquanto o Esperanto se limita prudentemente a empregar este princípio na medida do possível, esforçando-se cuidadosamente para que ele não se oponha a outros princípios mais importantes duma língua internacional, os projetistas concentraram toda a atenção só neste princípio, sacrificando todo o resto, incomparavelmente mais importante; porquanto reunir e harmonizar entre si princípios diversos eles não conseguem nem desejam, e mesmo não esperam dar cousa concluída e apta a funcionar, mas simplesmente querem fazer efeito.

Do que fica dito, os senhores vêem que não existe a mínima causa para se recear que apareça alguma nova língua que afaste o Esperanto, - esta língua na qual já tem sido aplicado tanto talento, tantos sacrifícios e tantos anos de trabalho paciente e fervoroso de muitas pessoas; língua que durante muitos anos tem sido experimentada em todas as relações práticas, satisfazendo em tudo quanto podemos esperar de uma língua internacional. Para os senhores, porém, prezados ouvintes, isso não é suficiente: os presentes desejam que lhes demos plena e indubitável certeza lógica de que a língua Esperanto não terá concorrentes. Felizmente estamos em condições de lhes dar esta plena certeza.

Se toda a essência de uma língua artificial consistisse em sua gramática, então desde o momento em que apareceu o Volapük estaria resolvida para sempre a questão duma língua internacional, e nenhum concorrente poderia aparecer para o Volapük; porque, apesar de diversos erros, a gramática do Volapük era tão fácil e simples, que não se poderia obter cousa muito mais fácil e mais simples. Uma nova língua só poderia diferir do Volapük em bagatelas; e todos compreendem que por causa de bagatelas ninguém empreenderia a criação de uma nova língua, nem o mundo recusaria uma língua já pronta e experimentada por causa de ninharias. Em caso de extrema necessidade a futura academia ou congresso faria na gramática do Volapük as pequenas alterações que se mostrassem necessárias, e sem dúvida alguma o Volapük seria a língua internacional, ficando toda concorrência para sempre afastada. Mas uma língua não consiste somente em gramática, senão, igualmente, em vocabulário, e a aquisição de vocabulário toma cem vezes mais tempo, em uma língua artificial, do que o estudo da gramática. O Volapük resolveu só a questão da gramática, e absolutamente não cuidou do vocabulário, dando apenas uma grande coleção de palavras inventadas, as quais qualquer novo autor teria o direito de inventar a seu talante. Eis porque, desde o começo da existência do Volapük, mesmo os mais fervorosos volapükistas receavam que amanhã aparecesse uma nova língua, em nada semelhante ao Volapük, e se iniciasse uma luta entre as duas. Caso inteiramente diverso é o do Esperanto: sabe-se, - e nem por um instante qualquer pesquisador o nega, - que o Esperanto resolveu não somente a questão da gramática, mas também a questão do vocabulário, portanto, não uma pequena parte do problema, mas o problema completo. Então, que mais poderia fazer o autor de uma nova língua, se tal aparecesse um dia? Nada mais lhe restaria senão... descobrir a América já descoberta! Efetivamente admitamos que agora, apesar da existência de uma língua internacional ótima, comprovada sob todos os aspectos, com uma multidão de adeptos e vasta literatura, como é o caso do Esperanto, contudo aparecesse um homem que se resolvesse a dedicar uma longa série de anos à criação de uma nova língua, que conseguisse levar ao fim sua obra, e que a língua por ele proposta se revelasse realmente melhor do que o Esperanto: vejamos que tal seria essa língua. Se a gramática do Esperanto, que permite exprimir todas as nuances do pensamento humano com a máxima precisão, consiste toda ela em 16 regrinhas e pode ser aprendida em meia hora, - que de melhor poderia dar o novo autor? No máximo, em vez de 16 regras, daria 15, e em vez de meia hora, bastariam 25 minutos. Não é verdade? Mas só por isso desejaria alguém criar uma nova língua, e o mundo por essa bagatela desprezaria a língua já existente e experimentada? Sem dúvida que não; em último caso o mundo diria: "se em sua gramática uma ninharia é melhor do que em Esperanto, introduziremos essa ninharia no Esperanto e a questão estará resolvida". Como seria o vocabulário dessa língua? Presentemente nenhum observador duvida de que o vocabulário de uma língua internacional não poderá ser arbitrariamente inventado, mas deve infalivelmente constar de palavras latino-germânicas em sua forma mais comumente empregada; e isso não é para que, - como pensam muitos novos projetistas, - os lingüistas instruídos possam compreender à primeira vista um texto escrito na língua artificial (em questão de língua internacional os lingüistas eruditos representam o último papel, pois que para estes ela é mesmo necessária), mas por outras causas mais importantes. Por exemplo, existe um número imenso de palavras "estrangeiras", que são usadas igualmente em todas as línguas e que todos conhecem sem precisar de aprendê-las; deixar de empregar tais palavras seria completo absurdo; o vocabulário todo tem de estar em harmonia com elas, senão a língua ficaria selvagem, a cada passo se dariam entrechoques de elementos, e ficaria dificultado o enriquecimento regular e incessante do idioma. Existem ainda diversas outras causas, para que o vocabulário seja composto de tais palavras e não de outras, mas dessas causas, por serem muito especiais, não trataremos aqui minuciosamente. Bastará dizer que todos os novos observadores aceitam, quanto ao vocabulário, esta lei como já completamente fora de dúvida. E como a língua Esperanto justamente por essa lei se guiou e não podendo por essa lei existir grande arbítrio na escolha das palavras, resta-nos a pergunta: que nos poderia dar o autor de uma nova língua? É verdade que a esta ou àquela palavra se poderia dar uma forma mais conveniente, - mas de tais palavras existem pouquíssimas. Isso verifica-se pelo fato de que nos muitos projetos que apareceram depois do Esperanto, pelo menos 60% dos vocábulos tem a mesma forma que em Esperanto. E se levarmos em conta que os restantes 40% diferem do Esperanto na forma quase sempre porque os autores dos projetos ou não deram atenção a certos princípios, que para uma língua internacional são importantíssimos, ou simplesmente mudaram palavras sem necessidade alguma, - facilmente chegaremos à conclusão de que o número efetivo das palavras, às quais poderia dar-se forma mais conveniente do que a do Esperanto, não vai além de uns 10%. Mas, se na gramática do Esperanto quase nada se pode alterar e no vocabulário só se poderiam alterar 10% das palavras, então perguntamos: como seria uma nova língua, se acaso viesse a ser criada e efetivamente se mostrasse boa em todos os aspectos? Não seria uma nova língua, senão apenas um Esperanto um pouco modificado! Portanto, a questão toda sobre o futuro da língua internacional se reduz a saber se o Esperanto será aceito em sua forma atual, sem modificação alguma, ou se lhe serão feitas algumas alterações! Mas esta questão para os esperantistas já não tem significação; eles só protestam quando pessoas isoladas querem fazer modificações no Esperanto a seu capricho; se um dia, porém, algum congresso ou academia com autoridade decidir fazer na língua tais ou quais alterações, os esperantistas as aceitarão com prazer e nada perderão com isso: não terão de aprender desde o começo uma nova língua difícil, mas apenas de sacrificar um ou alguns dias para aprender as alterações da língua, e tudo estará acabado.

Os esperantistas absolutamente não pretendem que sua língua seja tão perfeita que nada mais alto possa existir. Ao contrário: quando se efetuar um congresso com suficiente autoridade para que se saiba que sua decisão tenha força para o mundo, os esperantistas mesmos lhes proporão nomear uma comissão que se encarregue de rever a língua e de fazer nela todos os melhoramentos úteis, mesmo que para isso seja necessário alterar a língua até a tornar irreconhecível; como, porém, não existe possibilidade de prever se a comissão será bem sucedida nesse trabalho, se ela não continuará trabalhando uma série infinita de anos, se de comum acordo levará a feliz termo a sua obra, e se na prática esta se demonstrará conveniente, naturalmente seria imperdoável insensatez da comissão se ela por um problemático futuro rejeitasse o presente efetivo, já em todos os sentidos experimentado e acabado. Portanto, mesmo que o congressso chegasse à conclusão de que o Esperanto não está bom, só poderia tomar a deliberação seguinte: aceitar provisoriamente o Esperanto em sua forma atual e paralelamente a isso nomear uma comissão que se encarregasse do aperfeiçoamento da língua ou da criação de uma nova língua mais próxima do ideal; somente quando se verificasse com o tempo que esse trabalho chegara a feliz conclusão e depois de muitas provas achado perfeito, se anunciaria que a forma atual da língua ficaria anulada, e a nova seria posta em vigor. Todo homem prudente concordará que o congresso só poderia proceder assim e não de outro modo. Por conseguinte, mesmo supondo que a língua final das gerações futuras não seja o Esperanto, mas outra língua que ainda será elaborada, em todo caso o caminho para essa nova língua não pode deixar de ser o Esperanto.

Resumindo tudo o que dissemos do começo até agora, pedimos, pois, a atenção dos senhores para as seguintes conclusões a que chegamos:

A ADOÇÃO DE UMA LÍNGUA INTERNACIONAL SERIA UTILÍSSIMA PARA A HUMANIDADE.

A ADOÇÃO DE UMA LÍNGUA INTERNACIONAL É ABSOLUTAMENTE POSSÍVEL.

A ADOÇÃO DE UMA LÍNGUA INTERNACIONAL, MAIS CEDO OU MAIS TARDE, INFALÍVEL E INDUBITAVELMENTE SE DARÁ POR MAIS QUE OS ROTINEIROS LUTEM CONTRA ISSO.

COMO LÍNGUA INTERNACIONAL NUNCA SERÁ ESCOLHIDA SENÃO UMA LÍNGUA ARTIFICIAL.

COMO LÍNGUA INTERNACIONAL NUNCA SERÁ ESCOLHIDA OUTRA LÍNGUA SENÃO O ESPERANTO: OU ELE SERÁ MANTIDO PARA SEMPRE EM SUA FORMA ATUAL, OU NELE SERÃO FEITAS ALGUMAS ALTERAÇÕES.

 

 

Revisado: 19 de Abril de 1998.
Eduardo Andrade Coelho
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