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Resta ainda resolver uma questão, isto é, que língua artificial será introduzida no uso comum? No primeiro momento parece impossível responder a essa pergunta, porque - dirão sem dúvida os senhores - "já existem muitas línguas artificiais e seu número poderá ser ainda mil vezes maior, porquanto cada homem pode criar uma língua artificial à parte segundo seu próprio arbítrio". Não existirá, então, possibilidade de prever qual será a escolhida? A pessoas que não conheçam a questão, efetivamente, à primeira vista parece assim; entretanto é muito fácil prever e predizer que língua artificial será escolhida. E isso porque a opinião muito divulgada no público a respeito do número de línguas artificiais já existentes, ou que possam ainda aparecer, é absolutamente falsa e fundada no desconhecimento completo da história e da essência da línguas artificiais.

Antes de tudo verificamos o fato de que apesar do número imenso de pessoas que trabalham ou trabalharam na criação de línguas artificiais no decorrer de duzentos anos, até agora só apareceram duas línguas efetivamente acabadas, isto é, o Volapük e o Esperanto.

Peço atenção para isto: só e unicamente duas línguas artificiais. É verdade que quase todos os dias os senhores lêem nos jornais que aqui, ali, ou acolá apareceu mais uma ou mais algumas línguas artificiais. Cita-se o nome, muitas vezes se dão até notas sobre a construção de tais línguas, mostram-se algumas frases nessas chamadas línguas novas, e ao público parece que línguas artificiais brotam como cogumelos depois da chuva. Mas esta opinião está completamente errada e provém do fato de que os jornais não acham necessário entrar no assunto sobre o qual escrevem, contentando-se em brindar os leitores com uma novidade ridícula ou em fazer brincadeira espirituosa. Saibam os senhores que tudo isso, que os jornais lhes trazem diariamente com o nome de "novas línguas internacionais", são meros projetos, projetos forjados às pressas e sem bastante amadurecimento, cuja realização está muito, muitíssimo longe. Esses projetos aparecem em forma ora de breves folhetos, ora de massudos volumes repletos de frases bombásticas e muito promissoras, - aparecem e desaparecem no horizonte, e nunca mais os senhores ouvem falar neles. Quando os autores de tais projetos se dispõem a pô-los em prática, logo se convencem de que isso está absolutamente fora do alcance de suas forças e que, o que na teoria parecia cousa fácil, na prática se torna dificílimo, irrealizável. Por que motivo a realização desses projetos é tão difícil, e por isso até agora só apareceram duas línguas de fato acabadas e em condições de viver - disso trataremos abaixo; por ora pedimos atenção somente para o fato de existirem presentemente duas únicas línguas artificiais, de sorte que o congresso só teria para a eleição uma das duas, se ele se reunisse hoje. O problema do congresso não seria tão difícil como poderia parecer à primeira vista. Sobre qual das duas escolher - o congresso não hesitaria um minuto, visto que a própria vida já há muito resolveu esta questão do modo mais indubitável, tendo já o Volapük, por toda a parte, sido afastado da luta pelo Esperanto. A superioridade do Esperanto sobre o Volapük é tão evidente, que entra pelos olhos à primeira vista e nunca foi negada nem mesmo pelos mais fervorosos volapükistas. Bastará dizer-lhes o seguinte: o Volapük apareceu quando o entusiasmo do público pela nova idéia apenas surgira; o Esperanto, em consequência de dificuldades financeiras do autor, apareceu diante do público alguns anos mais tarde, encontrando já por toda a parte inimigos prevenidos; os volapükistas dispunham de grandes recursos para a sua propaganda fazendo o mais vasto reclame, puramente americano; os esperantistas agiram todo o tempo quase sem recursos materiais e mostraram em toda a sua atividade enorme inabilidade e embaraço. Apesar de tudo isso, desde o momento em que apareceu o Esperanto, vemos grande número de volapükistas bandear-se ostensivamente para o Esperanto, sendo que outros, em maior quantidade, conscientes de que o Volapük está muito abaixo do Esperanto, mas não desejando mostrar-se vencidos, abandonaram completamente a idéia duma língua internacional; enquanto isto, por todo o tempo de existência do Esperanto (13 anos) em nenhum lugar de todo o globo terrestre nem uma só pessoa, - repito, nem uma só, - se passou do Esperanto para o Volapük! Ao passo que o Esperanto, apesar das enormes dificuldades com que teve de lutar, vive, floresce e incessantemente se revigora, o Volapük já de longa data foi abandonado por quase todos, podendo há muito tempo ser considerado morto.

Em que consiste a superioridade do Esperanto sobre o Volapük, naturalmente não podemos analisar aqui mui detalhadamente. Como exemplos, daremos apenas alguns pontos:

Enquanto o Volapük soa muito bárbaro e grosseiro o Esperanto é cheio de harmonia e de estética, fazendo lembrar a língua italiana;
Mesmo para indivíduos absolutamente sem instrução o Esperanto é muito mais fácil do que o Volapük, e para os instruídos é muitíssimo mais, porquanto os vocábulos do Esperanto - com exceção de pouquíssimos - não foram arbitrariamente inventados, mas tomados das línguas romano-germânicas de tal forma que facilmente se reconhecem. Por isso toda pessoa um pouco culta depois de algumas horas de estudo pode ler livremente qualquer obra em Esperanto quase sem recorrer a dicionário;
Enquanto quem usava o Volapük era obrigado a repeti-lo constantemente, pois de outro modo logo o esqueceria (por serem suas palavras inteiramente inventadas), quem emprega o Esperanto, tendo-o aprendido uma vez, nunca mais o esquece, mesmo que passe muito tempo sem usá-lo;
O Esperanto já desde o começo é muito fácil para a conversação, enquanto no Volapük a pessoa devia exercitar pacientemente e por muito tempo o ouvido, até se acostumar a distinguir claramente muitas palavras de sons semelhantes (por exemplo: "bap, pab, pap, päp, pep, pöp, peb, böb, pup, bub, püb, bib, pip, püp" etc. os quais ainda se tornam mais semelhantes entre si no plural, isto é, com um s no fim);
No Volapük, por efeito de alguns erros fundamentais nos princípios da construção (por exemplo: não se podem empregar vogais no princípio nem no fim dos vocábulos, por serem sinais gramaticais), cada palavra nova que seja necessária tinha de ser criada pelo autor (até os nomes próprios, como América - Melop, Inglaterra - Nelij). Isto não somente obrigava a aprender enorme quantidade de palavras inteiramente supérfluas, mas torna cada passo do desenvolvimento da língua dependente do autor ou de uma academia dirigente. Em Esperanto, pelo contrário, graças à regra de que todas as palavras "estrangeiras", que já por si mesmas sejam internacionais, são empregadas sem alteração alguma, do mesmo modo que nas outras línguas, - assim não somente se torna desnecessário aprender uma multidão enorme de palavras, mas ainda tem a língua a possibilidade de se desenvolver eternamente, sem qualquer dependência do autor ou de academia.

Falando da superioridade do Esperanto sobre o Volapük, absolutamente não tencionamos de modo algum diminuir os méritos do inventor dessa língua. Os méritos de Schleyer são imensos, e seu nome sempre ocupará o mais honroso lugar na história da idéia de uma língua internacional.

Quisemos somente mostrar, que, se hoje se reunisse um congresso para a escolha de uma língua internacional, ele não hesitaria um momento entre as duas línguas artificiais existentes.

Provamos, por conseguinte, que, se hoje se realizasse um congresso para a escolha de uma língua internacional, apesar do enorme número de línguas existentes, poderíamos já agora com toda a certeza e precisão prever que língua ele escolheria, isto é: de todas as línguas vivas, mortas e artificiais, o congresso só poderia escolher uma: o Esperanto. Fosse como fosse constituído o congresso, quaisquer que fossem as condições políticas, não importam as considerações, preconceitos, simpatias ou antipatias pelas quais se guiasse o congresso, ele absolutamente não poderia escolher outra língua senão o Esperanto, porque para a função de idioma internacional o Esperanto é agora o único candidato no mundo todo, o único, sem concorrente algum. Por isso que no congresso, mesmo no pior dos casos, haverá homens que pensem, e a imensa superioridade do Esperanto diante de qualquer outra língua é de uma evidência que salta aos olhos de qualquer pessoa que conheça esta língua, é de todo impossível supor que o congresso escolha qualquer outra. Se, contudo, contra toda a expectativa, o congresso for tão cego que prefira outra língua, então, - como demonstramos acima, - a própria vida se encarregará de fazer dessa resolução letra morta, até que se reúna outro congresso e faça a escolha acertada.

 

 

Revisado: 19 de Abril de 1998.
Eduardo Andrade Coelho
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