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Algum dia será posta em uso uma língua internacional?

Se chegamos à conclusão de que uma língua internacional seria de máxima utilidade para a humanidade e de que sua existência é possível, dessas duas conclusões decorre por si mesma a terceira, isto é, que mais cedo ou mais tarde indubitavelmente tal língua será introduzida na prática, porque no caso oposto teríamos que negar à humanidade os princípios mais elementares de inteligência. Se ainda não existisse uma língua apta a desempenhar o papel de língua internacional, mas ainda tivesse de ser criada, então a resposta à questão posta no princípio deste capítulo poderia ser duvidosa, pois que não se saberia ainda se seria possível criar tal língua. Mas já sabemos que existem muitas línguas e que qualquer delas em caso de necessidade poderia ser definida como internacional, com a única diferença de que umas serviriam melhor e outras pior a tal fim. Portanto, temos tudo pronto e só nos cumpre querer e escolher. Assim a resposta à pergunta acima não comporta dúvida alguma. Os homens se conduzem conscientemente na vida, e incessantemente buscam o seu próprio bem; por isso, sabendo que determinada cousa proporcionará grandes e indubitáveis benefícios aos homens e que ela é alcançável, podemos sempre com inteira certeza predizer que, desde o momento em que os homens lhe voltem sua atenção, continuarão incessantemente a esforçar-se por obtê-la, cada vez com mais persistência, até alcançá-la. Se dois agrupamentos humanos se acham separados por um riacho, mas souberem que lhes seria muito útil comunicar-se reciprocamente, e verificarem que de ambos os lados há tábuas inteiramente prontas e à mão, não precisamos ser profetas para prever com plena certeza que mais cedo ou mais tarde será lançada uma tábua atravessando o riacho e que as comunicações estarão estabelecidas. É verdade que por via de regra se passa certo tempo de hesitação, causada quase sempre pelos mais insensatos pretextos: os homens prudentes dizem que pretender estabelecer comunicações entre duas margens é uma infantilidade, porque nenhum dos dois grupos se preocupa com o lançar as tábuas para atravessar o riacho; velhos experientes dizem que os antigos nunca puseram tábuas de uma à outra margem do riacho, e que por isso a cousa é uma utopia; os eruditos provam que as comunicações só se podem efetuar como fenômeno natural e que o organismo humano não pode locomover-se sobre tábuas, etc. Apesar de tudo, mais cedo ou mais tarde, uma tábua é lançada e ficam estabelecidas as comunicações. Assim foi com todas as idéias úteis, assim sucedeu a cada invenção; só os homens sem preconceitos chegam à conclusão clara de que a dada cousa será muito útil e ao mesmo tempo é realizável ficando inteiramente certos de que mais cedo ou mais tarde ela será fatalmente aceita, apesar de toda a oposição por parte dos rotineiros, pois isso o garantem não só a inteligência da humanidade, senão também sua tendência natural de buscar tudo o que lhe seja praticamente bom e proveitoso. Assim será também com a língua internacional. Durante muitos séculos, ainda não precisando muito de uma língua internacional, os homens não meditaram sobre esta questão; mas agora, que o aumento das comunicações entre os homens lhes chamou a atenção para o problema, agora que os homens começaram a se convencer de que uma língua internacional será utilíssima e que pode ser estabelecida, eles a procurarão cada vez mais; sua necessidade cada dia se tornará mais sensível, e eles não sossegarão enquanto não tiverem resolvido o problema. Podeis duvidar disso? Certamente que não! Quando será isso, - não tenciono predizer: poderá ser em um ano, em dez anos, em um ou em alguns séculos - mas uma cousa é indubitável: por mais que tenham de sofrer os pioneiros desta idéia, e mesmo que ela fique adormecida por dezenas de anos, nunca mais morrerá. Cada vez mais freqüentes e persistentes serão as vozes que clamarão por uma língua internacional, e finalmente, mais cedo ou mais tarde - se o problema não for resolvido pela própria sociedade - os governos de todos os países terão de ceder, de organizar um congresso internacional e de escolher uma língua comum a todos. Só pode haver a questão de tempo: alguns dentre os senhores dirão que virá muito brevemente, outros que só em remoto futuro: mas que o fato virá um dia e que a humanidade, vendo a grande utilidade e a viabilidade de uma língua internacional, não ficará eternamente indiferente ao assunto, qual multidão de seres estultos que não compreendem - sobre isso certamente nenhum dos senhores duvidará um só momento. Pedimos-lhes tomem nota na memória da terceira conclusão a que chegamos, a saber:

Mais cedo ou mais tarde será introduzida na prática uma língua internacional.

Faremos aqui pequena pausa e diremos algumas palavras a respeito de nós, os que combatemos pela idéia duma língua internacional. De tudo o que provamos, os senhores vêem que não somos os fantasistas e utopistas que muitos dos senhores viam em nós, e como nos pintam muitos jornais sem desejar conhecer a essência da causa pela qual nos batemos. Os senhores vêem que trabalhamos por uma causa que será imensamente útil à humanidade e que terá infalível êxito mais cedo ou mais tarde. Todo homem avisado poderá, portanto, aliar-se corajosamente a nós, sem temer a zombaria da multidão impensante e parva. Nós nos batemos por uma causa muito refletida e segura, e por isso nenhuma sorte de escárnio ou de ataque nos afastará do caminho. O futuro pertence a nós.

Suponhamos, embora, que a forma de idioma pela qual nos batemos venha a demonstrar-se errada no futuro, e que a língua internacional não seja a que escolhemos, - isso de modo algum nos deve perturbar, porque não nos batemos pela forma, senão pela idéia, e só demos forma concreta à nossa campanha por saber que todo combate abstrato e teórico é em geral de resultado nulo. Mais abaixo provaremos que mesmo a forma concreta da língua está perfeitamente refletida e tem indubitável futuro; mas se os senhores duvidarem disso, a forma de modo algum nos tolhe: se esta forma estiver errada, nós amanhã a mudaremos, e em caso de necessidade, depois de amanhã faremos nova mudança, mas batalharemos pela nossa idéia por tanto tempo quanto seja necessário à sua completa realização.

Se, obedecendo à voz do egoísmo indiferente, nos detivéssemos em nosso trabalho somente porque talvez com o tempo a forma da língua viesse a ser outra e não esta pela qual trabalhamos, isto seria o mesmo que recusar, por exemplo, o emprego do vapor, com receio de que no futuro se encontre melhor força motriz, ou impugnar melhoramentos em nosso país, porque talvez no futuro sejam descobertas melhores formas de se organizar o Estado.

Ainda somos fracos e qualquer garoto pode zombar de nós e apontar-nos com o dedo; ri, porém, melhor quem ri por último. Nossa causa caminha penosa e lentamente. Pode muito bem ser que a maioria dos nossos não viva até o momento em que se mostrem os frutos de nossa atividade e que tenhamos de ser até à morte objeto de zombarias; mas iremos para o túmulo com plena consciência de que nossa causa não morrerá, que ela nunca poderá morrer, que mais cedo ou mais tarde ela deve atingir o alvo. E mesmo se, cansados do trabalho ingrato, com desânimo e apatia deixássemos cair as mãos, - não importa, - a causa não morrerá: em substituição dos combatentes cansados aparecerão novos; porque, repetimos, se é fora de dúvida que uma língua internacional será utilíssima à humanidade e que é realizável, então nenhum homem, a menos que esteja completamente cego pelo espírito de rotina, poderá duvidar que mais cedo ou mais tarde ela será estabelecida, e nosso constante trabalho será lembrar sempre à humanidade até que a idéia esteja efetuada. Os vindouros bendirão nossa memória, e referir-se-ão aos sábios que agora nos chamam fantasistas, do mesmo modo que nós nos referimos aos sábios contemporâneos do descobrimento da América, do invento da locomotiva, etc.

 

 

Revisado: 19 de Abril de 1998.
Eduardo Andrade Coelho
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