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É necessária uma língua internacional ?

Pela sua ingenuidade, esta questão provocará riso nas gerações vindouras, do mesmo modo que nossos contemporâneos ririam se lhes perguntássemos, por exemplo, se o correio é necessário. A maioria do mundo inteligente já acha supérflua esta pergunta; contudo fazêmo-la porque ainda há muitas pessoas que a respondem negativamente. O motivo que algumas dessas pessoas apresentam é o seguinte: "Uma língua internacional destruiria as línguas nacionais e as nações". Confessamos que por mais que quebramos a cabeça, de modo algum compreendemos em que consistiria a desgraça para a humanidade, se um belo dia se verificasse que já não existiam nações nem línguas nacionais, e que só existia uma família humana com uma única língua. Mas suponhamos que isso fosse realmente uma calamidade terrível e apressemo-nos em tranqüilizar esses senhores. A língua internacional pretende somente dar aos homens de povos diferentes, que se conservam como mudos uns diante dos outros, a possibilidade de se compreenderem, mas de modo algum deseja imiscuir-se na vida interna dos povos. Recear que uma língua internacional destrua as nacionais é tão ridículo como, por exemplo, temer que o correio, permitindo aos homens afastados uns dos outros comunicarem-se, ameace destruir as comunicações orais entre os homens! "Língua internacional" e "língua mundial" são duas cousas absolutamente distintas, que não se deve de modo algum confundir. Suponhamos que um dia todos os homens se reúnam em um só povo - a humanidade: de tal "desgraça" (como lhe chamam os chovinistas) terá a culpa não uma língua internacional, mas a transformação das convicções e opiniões dos homens. Então a língua internacional facilitará aos homens alcançarem uma cousa que eles antecipadamente terão em princípio admitido como desejável; se, porém, a finalidade de se reunirem não houver nascido espontaneamente nos homens, a língua internacional por si mesma de certo nunca há de querer impor à humanidade tal fusão. Deixando inteiramente de lado a questão de ser desejável ou indesejável o chovinismo nacionalista, notaremos somente que mesmo o mais cego chovinismo deve fazer uma exceção aos objetivos de uma língua internacional, porque a relação entre o objetivo de uma língua internacional e o chovinismo nacional é a mesma que entre o patriotismo e o amor à família: pode alguém dizer que a intensificação das relações recíprocas entre os cidadãos de um mesmo país (alvo patriótico) constitui ameaça ao amor familiar? Por si mesma, a língua internacional não somente não pode enfraquecer as línguas nacionais, mas ao contrário, deverá inevitavelmente contribuir para um grande florescimento destas últimas, porque a necessidade de aprender diversas línguas estrangeiras teve como conseqüência o fato de raramente se encontrar hoje um homem que conheça a fundo sua língua materna; e as próprias línguas, imiscuindo-se umas nas outras, cada dia mais se confundem, estropiam-se e perdem a riqueza e o encanto naturais; quando, porém, cada um de nós tiver de aprender só uma língua estrangeira (e mesmo esta facílima), cada qual poderá aprender profundamente sua língua nacional, e então cada língua, livre de pressão das vizinhas e conservando somente para si todas as forças de seu povo, desenvolver-se-á poderosa e brilhantemente.

O segundo motivo, que apresentam os inimigos da língua internacional, é o receio de que como língua internacional venha a ser adotada alguma das línguas nacionais, caso este em que os homens não se aproximariam uns dos outros, mas em que um só povo oprimiria e enguliria todos os outros povos, em conseqüência da supremacia absoluta que a adoção universal de sua língua nacional lhe daria sobre todos os outros. Este motivo não é totalmente destituído de fundamento; mas só pode ser admitido contra uma forma infeliz e irrefletida de língua internacional. Este motivo perde toda a sua significação, se atendermos ao fato de que uma língua internacional só pode ser e só será uma língua neutra, como abaixo demonstraremos.

Portanto, se por um momento deixarmos de lado a questão da possibilidade ou impossibilidade da adoção de uma língua internacional (deste ponto trataremos adiante), se supusermos que a adoção de tal língua depende somente de nosso desejo, e se fizermos exceção de algum erro flagrante na escolha da língua, cada um de nós tem de concordar que quanto ao prejuízo que traria uma língua internacional, não é necessário dizer uma única palavra. A utilidade que tal língua teria para o mundo é tão evidente que sobre isso também não precisaríamos falar. Contudo diremos a este respeito algumas palavras, ainda que somente para ficar completa nossa análise.

Alguma vez os senhores já pensaram sobre o que foi que elevou tão alto a humanidade acima do nível de todos os outros animais, os quais na realidade são constituídos segundo o mesmo tipo de homens? Devemos toda a nossa cultura e civilização unicamente a uma cousa: à posse de linguagem que nos permite permutar pensamentos. Que seria de nós, altivos reis do mundo, se não pudéssemos pela linguagem comunicar-nos uns com os outros, se cada um de nós tivesse que começar de novo a elaborar com experiências próprias todo o seu saber e inteligência, em lugar de fazer uso - graças ao intercâmbio de pensamentos - dos frutos da experiência e dos diversos conhecimentos adquiridos durante milênios por milhões e bilhões de criaturas semelhantes a nós? Não estaríamos um único degrauzinho acima dos diversos animais que nos cercam e se mostram tão estultos e incapazes! Tirai-nos as mãos, os pés, e mais o que quiserdes, mas deixai-nos somente a faculdade de permutar nossos pensamentos, - e continuaremos sendo os mesmos reis da natureza, e constante e infinitamente nos aperfeiçoaremos; dai, porém, a cada um de nós embora cem mãos, e dai-nos cem faculdades e sentidos ainda desconhecidos, mas privai-nos do poder de permuta de pensamentos - e seremos simplesmente animais estultos e incapazes. Mas se a possibilidade mesmo incompleta e limitada de intercâmbio dos pensamentos teve para a humanidade uma significação tão grande, imaginai que vantagem imensa, incomparável, seria para a humanidade uma língua que desse toda a plenitude ao intercâmbio dos pensamentos, e graças à qual não somente A tivesse a possibilidade de comunicar-se com B, C com D, E com F, senão também pudesse cada um deles comunicar-se com todos os outros! Nem mesmo uma centena de grandes invenções e descobertas importantes fará na vida da humanidade uma revolução tão grande e tão benéfica como a adoção de uma língua internacional!

Tomemos alguns pequenos exemplos. Tentamos traduzir as obras de cada nação para as línguas de todas as outras nações; isto, porém, devora improdutivamente enorme quantidade de trabalho e dinheiro, e, apesar de tudo, somente conseguimos traduzir uma parte insignificante da literatura da humanidade, continuando inacessível a todos a imensa maioria da literatura com ricos tesouros de pensamentos.

Quando, porém, existir uma língua internacional, tudo quanto apareça nos domínios do pensamento humano será traduzido somente nessa única língua neutra e muitas obras serão escritas diretamente nessa língua de sorte que toda a produção do espírito humano será acessível a cada um de nós.

Para o aperfeiçoamento deste ou daquele ramo dos conhecimentos, a cada passo organizamos congressos internacionais; que papel lamentável, no entanto, representam tais congressos, quando neles pode tomar parte não a pessoa que desejaria utilmente ouvir algo, não quem tenha importantes comunicações a fazer, mas somente quem saiba tagarelar bem em alguns idiomas! Nossa vida é curta e a ciência muito vasta; temos de aprender, aprender, aprender! Ao estudo só podemos dedicar uma parte de nossa curta vida, isto é, os anos de infância e da mocidade; mas, ai! grande parte desse tão precioso tempo desaparece improdutivamente no estudo de línguas! Quanto ganharíamos, se graças à existência de uma língua internacional, pudéssemos empregar ao estudo efetivo de ciências positivas todo esse tempo que hoje perdemos no estudo de idiomas! Quão alto se elevaria então a humanidade!...

Mas não falemos mais sobre este ponto, porque qualquer que seja o modo como os nossos ouvintes encarem esta ou aquela forma de língua internacional, duvidamos que entre eles se encontre alguém que faça objeção à utilidade em si de uma língua internacional. Como, entretanto, muitas pessoas não examinam bem suas próprias simpatias e antipatias, e acham que, não aprovando uma dada forma de uma idéia, devem atacar incondicionalmente a idéia mesma, em geral, - por isso, afim de fazer uma análise sistemática, pedimos aos prezados ouvintes tomarem na memória boa nota de que sobre a utilidade duma língua internacional em geral - se vier a ser adotada uma língua internacional - eles não têm dúvidas. Lembrem-se, pois, meus senhores, da primeira conclusão a que chegamos, e com a qual os senhores estão de pleno acordo, isto é, de que:

A EXISTÊNCIA DE UMA LÍNGUA INTERNACIONAL, POR MEIO DA QUAL SE PUDESSEM ENTENDER OS HOMENS DE TODOS OS PAÍSES E POVOS, SERIA IMENSAMENTE UTIL À HUMANIDADE.


 

Revisado: 19 de Abril de 1998.
Eduardo Andrade Coelho
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